Campanha da Volkswagen que retrata Elis Regina por meio da IA abre espaço para discussões sociais e políticas

7/7/23
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Publicado por 
Redação Start

Em análise, especialistas questionam os limites do uso da inteligência artificial

Foto: Captura de tela - Reprodução YouTube
Foto: Captura de tela - Reprodução YouTube

Em um cenário onde muito se discute sobre o equilíbrio do uso de ferramentas como inteligência artificial, há quem questione até onde vão os limites e as implicações éticas e sociais destas ferramentas. A IA tem estado presente no dia a dia da população com mais frequência e, como consequência, tem gerado desafios sobre os limites e benefícios da ferramenta.

Recentemente, a fabricante alemã de veículos Volkswagen lançou uma campanha publicitária para divulgar um novo modelo de Kombi, van popularmente conhecida muito utilizada em meados dos anos 50. A campanha veiculada na última terça-feira, 04, foi criada para lançar o modelo elétrico e repaginado da Kombi, e mostra a cantora Elis Regina, fazendo alusão ao velho, dirigindo uma Kombi antiga e cantando a clássica música “Como Nossos Pais”, ao lado de sua filha Maria Rita, dirigindo um modelo mais moderno.

O comercial foi divulgado e logo ganhou a atenção dos internautas que questionaram o limite do uso da inteligência artificial, principalmente neste caso, quando se trata da imagem de uma pessoa já falecida. Além disso, muitos comentários criticaram e taxaram como apelativo o modo com que o comercial foi construído. Um dos internautas publicou um tweet dizendo “Difícil se emocionar com o que não existe”, falando sobre o fato de ser uma representação irreal. Outro ponto que chamou a atenção é o fator histórico por trás da multinacional, envolvida e tida como apoiadora do regime militar brasileiro enquanto a cantora Elis Regina era uma ativista contra o regime. 

Para falar sobre o assunto, a equipe da redação Start conversou com Rafael Martins, CEO do Clube Shar. Segundo Rafael, agora é o momento de discutir os limites e o que os poderes públicos precisam interferir. Assim como em muitas questões, há uma polarização de lados entre os que acham uma questão de mau gosto, de certa forma ressuscitar uma pessoa morta, e outras acham que não há problemas. 

A partir disso, ele afirma que pelo fato da IA ser algo muito novo, é necessário que haja uma regulamentação mais urgente para que o uso não vá além dos limites éticos e sociais. Em uma análise, ele compartilha também que assim como qualquer campanha publicitária, a campanha da Volkswagen foi pensada justamente para ter o alcance e a repercussão que está tendo. 

Foto: Divulgação - Rafael Martins - CEO do Clube Share
“Um dos grandes objetivos de qualquer campanha é ter alcance da mensagem, amplificado por vezes por mídia paga e quando "dá certo" organicamente, olhando por este ângulo foi um sucesso. Existe um desejo e talvez até uma necessidade da publicidade usar a IA, seja para parecer antenado, moderno, seja para mostrar que pode fazer coisas tão boas com IA, como faz com seres humanos, acho que essa campanha pode ser vista como alto experimental”, comenta Rafael.

Com relação às discussões políticas que envolvem a campanha, Rafael diz que muitas vezes as marcas, por mais que queiram estar em um hype tecnológico, esquecem que as pessoas conseguem saber sobre tudo em segundos. Ele acredita que o fator histórico pode ter sido deixado de lado na criação da campanha.

“Por muito tempo as marcas só falavam e as pessoas só escutavam, sem questionar, ou se o faziam era em ambientes de pouca repercussão, pois todas as marcas estão vulneráveis ao seu passado e ao seu presente. Me parece sempre que querem mostrar o presente e como a marca vê o futuro, mas esquecem que as pessoas podem não concordar com isso e questionar tudo, como foi agora”, explica.

Com base no fator emocional, ele afirma ser uma questão individual, e que o principal ponto a ser analisado na campanha é buscar entender o que a marca quis mostrar com a criação do comercial. Rafael comenta ainda que IA reproduz basicamente a estética e trejeitos humanos, seja coisas práticas, operacionais ou emoções.

“Veja que existe uma visão por vezes lúdica na publicidade, usando imagens, desenhos que expressam momentos e sentimentos, isso é normal e amplamente utilizado. Estamos em uma fase mais avançada de IA, onde ela consegue identificar e reproduzir emoções e isso só vai ser acelerado, não tem mais volta. Como vamos usar isso?  Creio que seja a pergunta que ainda não temos resposta”, completa

Para a publicitária Tamára Tisott, a campanha evidencia a criatividade e a ousadia do publicitário, e que ao utilizar a inteligência artificial para trazer de volta a presença da cantora Elis Regina e selecionar a música "Como Nossos Pais", a marca desperta uma série de sentimentos nostálgicos e emocionais no público. 

Foto: Clara Beatriz - Tamára Tisott - Publicitária
“A escolha da canção traz consigo uma mensagem profunda que aborda as transformações sociais e a busca pela liberdade. Além disso, o contraste entre a antiga Kombi e a nova versão futurista simboliza não somente a evolução do modelo, mas também as mudanças ocorridas na própria Volkswagen, no país de origem da marca e na sociedade como um todo. Essa campanha nos convida a refletir sobre a importância das adaptações e das mudanças ao longo do tempo, ressaltando a relevância do marketing emocional ao criar laços genuínos com o público”, avalia Tamára.

Segundo ela, o uso da imagem de uma pessoa falecida por meio  da inteligência artificial tem gerado discussões, mas é necessário considerar o consentimento de quem detém os direitos de uso de imagem nesses casos.

“À medida que a tecnologia avança, é importante refletir sobre os limites éticos, o respeito à privacidade e o impacto emocional que esse tipo de criação pode causar. Esse será um debate cada vez mais presente e importante no futuro, à medida que exploramos novas possibilidades tecnológicas e buscamos garantir a proteção dos direitos das pessoas envolvidas. Através do contraste entre a antiga Kombi e a versão futurista, a campanha simboliza não apenas a evolução do modelo, mas também as transformações sociais em curso”, comenta Tamára.

Felipe Nascimento, CTO da On2, agência e fábrica de software, explica que a campanha traz sensações nostálgicas que conectam com os sentimentos, assim como nos emocionamos com um filme dramático. Ele avalia que a marca desenvolveu algo para mostrar justamente a mudança de tecnologias antigas com tecnologias novas, unindo duas gerações de artistas e, escolhendo uma canção que se encaixa com a temática da campanha “O novo sempre vem”. 

Com relação ao uso de inteligência artificial, ele afirma que tudo depende da abordagem e compara às representações de desenhos animados, o que não foge muito da temática de abstração artística feita por meio da IA. Assim como Rafael, ele confirma o fato de que mais do que nunca é necessário uma avaliação com relação ao monitoramento do uso da inteligência artificial, para manter um limite estabelecido.

Foto: Felipe Nascimento, CTO da On2; Jaydson Gomes, CEO da On2; e Cesar Paz, sócio da On2
“É bem possível que no futuro as pessoas possam liberar permissões de uso de sua imagem pós vida, enquanto ainda estão vivas, mas no momento, esta ainda é uma decisão tomada a partir das famílias das pessoas falecidas. Acredito que além da permissão, o mais correto é ainda uma validação e aprovação do material por parte da família antes da veiculação, mas justamente para tentar manter esta ética e um relacionamento franco com as pessoas envolvidas. A linha dos limites éticos na IA é meio tênue e ainda está para ser traçada”, explica.

Assim como o fato da conexão da marca com o regime militar no passado pode ter sido deixado de lado, Felipe diz que o uso da música pode ter sido intencional para conectar a marca com a mudança, tentando demonstrar que a empresa se ajustou e não se alinha com os mesmos discursos da época. Apesar disso, ele fala que talvez fosse necessário algum pronunciamento público repudiando e lamentando os atos do passado. 

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