Como ter segurança jurídica no investimento anjo?

2/1/24
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Publicado por 
Redação Start

João Burke e Marcelo Vianna, sócios do Vianna Burke & Oliveira Franco Advogados e associados da Poli Angels

Foto: Divulgação
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O investimento em startups envolve incertezas quanto ao seu futuro, mas é justamente no ambiente de incertezas que um projeto inovador de uma startup pode prosperar exponencialmente, assim como pode também naufragar.

O smart money aplicado pelo investidor-anjo busca facilitar essa jornada da startup, com conhecimentos e networking, além do recurso financeiro em si.  O contrato de investimento-anjo deve equilibrar os interesses de ambas as partes e mitigar alguns riscos típicos da atividade de uma startup.

Essencialmente, os investidores anjo querem garantir que, na hipótese de a startup prosperar, eles tenham seus direitos preservados, pois acreditaram e auxiliaram o projeto desde sua fase inicial, assim como limitar os riscos à perda do valor investido, sem comprometer o patrimônio pessoal, e também definir mecanismos para realizar a cobrança do valor investido caso os sócios da startup pratiquem condutas em desacordo com o que foi previamente combinado.  

Nessas situações, alguns documentos são essenciais: o term sheet estabelece condições contratuais mínimas e garantia de tempo para concretização do investimento caso as condições prévias para o aporte sejam atingidas. Já a due diligence busca levantar eventuais indícios de que algum aspecto comercial, jurídico ou financeiro da startup desaconselhe prosseguir com o investimento. Por fim, o mútuo conversível é o empréstimo realizado pelos investidores anjo à startup que, futuramente, pode ser convertido em participação societária na empresa, com a previsão desde o início das principais regras societárias que valerão caso investidores e founders se tornem sócios no futuro. Pode-se prever, inclusive, em que condições o investidor pode sair do negócio.

Do ponto de vista da startup, esses instrumentos trazem mais previsibilidade quanto às próximas etapas do seu desenvolvimento. Do ponto de vista do anjo, sobretudo no contrato de mútuo, existem proteções para o caso de o investimento dar certo (melhor cenário) ou para quando o negócio tiver que ser desfeito. Em outras palavras, o contrato tem duas etapas. Na primeira fase, existe um típico contrato de mútuo. Na segunda fase, que pode ou não ocorrer, o anjo poderá vir a se tornar investidor, se assim desejar e se as condições da startup forem suficientes. Em cada fase, há direitos e deveres distintos para ambas as partes.

Em sua fase inicial (antes da conversão), cria-se uma maior proteção jurídica ao patrimônio pessoal dos investidores, pois figuram como meros credores da startup, sem entrar em seu quadro societário. As demais disposições do contrato buscam preservar, mediante critérios pré-estabelecidos, os futuros direitos dos investidores na hipótese de a startup prosperar. Por fim, há disposições específicas que permitem aos investidores cobrarem o mútuo antecipadamente diante da prática, pelos sócios da startup, de condutas inadequadas.

Evitando disputas e litígios

São cláusulas que evitam algumas das situações mais comuns de litígios, como quando a startup solicita que os investidores sejam obrigados a converter o mútuo em investimento em uma próxima rodada. Já vimos situações em que inexistia um valor mínimo dessa rodada futura e as partes tiveram que rediscutir o assunto, pois os anjos ficavam, na prática, expostos à vontade unilateral da startup. Esse tipo de situação poderia ser evitado com a inclusão de um valor de investimento mínimo como gatilho para conversão, conjugada com uma cláusula de voto afirmativo, por exemplo.

Outra disposição contratual importante é a cláusula que exige a manifestação favorável dos investidores para determinadas decisões estratégicas que, embora não sejam vinculadas à gerência nem administração da empresa (no que os anjos não se envolvem), possam alterar as condições em que é realizado o investimento, aumentando substancialmente o risco empresarial para além do quanto inicialmente previsto (por exemplo, contratação de empréstimos muito altos, alteração do objeto social da empresa, fusões, cisões ou aquisições com outras empresas, etc.).

As startups que recebem investimento-anjo são microempresas com potencial de complexidade de uma multinacional. A proteção jurídica equilibrada é aquela que concilia a flexibilidade que a startup precisa para trabalhar e pivotar com a proteção para ambos os lados quando vier a se tornar um unicórnio.

O contrato de mútuo conversível adequado à legislação brasileira vem sendo construído pelo mercado, com evoluções decorrentes de boas práticas e de muitas situações reais. Temos que pensar no presente e no futuro, o que exige esse aperfeiçoamento constante. Contudo, não podemos perder de vista a devida proteção jurídica aos interesses das partes (investidores anjo e startups), garantindo que essa seja uma relação de parceria que traga benefícios para todos os envolvidos.

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