Cozinha e tradição: como a criação de conteúdo busca exaltar a tradição gaúcha

24/4/24
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Publicado por 
Redação Start

Conheça histórias de quem uniu a tradição à produção de produtos, serviços e conteúdos para referenciar a cultura do sul do país

Foto: Mauricio Capellari
Foto: Mauricio Capellari

O ato de cozinhar pode ir além de simplesmente preparar um alimento, mas uma maneira de expressar nossos sentimentos, culturas, memórias e vivências. É por meio da culinária e da gastronomia que é possível conhecer intimamente o povo ou uma região. Durante muito tempo, esbarramos em situações onde, em uma viagem, o visitante busca se alimentar de comidas típicas de uma localidade, o modo de preparo e até mesmo os temperos utilizados. De norte a sul, o Brasil possui uma infinidade de pratos típicos, com ingredientes diferenciados e modos de preparo infinitamente opostos. 

No Rio Grande do Sul, a comida típica se apresenta carregando uma série de influências, seja dos povos indígenas que habitaram a região, como Kaingang, Guarani, Charrua e Xokleng, ou dos imigrantes italianos, alemães, franceses, espanhóis, portugueses, entre outras nacionalidades. Carregando toda a tradição, há quem seja apaixonado pela culinária e tente expressar esse amor na cozinha, como o publicitário e mestre parrillero, Antônio Costaguta, mais conhecido nas redes sociais como El Topador. Em entrevista, Antônio compartilha que, sem dúvidas, a cozinha tem um papel fundamental na tradição gaúcha, afinal de contas, conhecer a gastronomia de cada região é estar conhecendo consequentemente a cultura daquela localidade e, por consequência, valorizar a mesma. 

Segundo o parrillero, quando perdemos essa referência da nossa própria cozinha, do nosso próprio Estado, do nosso próprio povo, a gente naturalmente está perdendo de valorizar nossa cultura. Então, sem dúvidas, reflete na visão que o mundo inteiro tem por essa cozinha e a representamos da melhor forma possível, sempre pensando em valorizar a cultura da região. Antônio compartilha que a ideia de criar vídeos para as redes sociais simplesmente cozinhando, era justamente por ter uma análise de  mercado de que quase 100% da população considerava algo “simples”. E, na verdade, ele destaca que existe muita complexidade por trás do ato de cozinhar. 

Foto: Mauricio Capellari
“É uma arte cozinhar com fogo. Cozinhar assando as carnes é totalmente diferente das outras gastronomias, das outras técnicas. É necessário muita intuição e muita conexão com o fogo. E isso vem de berço, isso vem lá da minha terra natal, Santana do Livramento, fronteira com o Uruguai. Isso vem do meu vô, vem do meu pai. Mas, a verdade é que todos esses aprendizados, passados pelos meus avôs e pais, tiveram que ser ressignificados, porque é muito importante a gente separar o que é tradição e folclore de técnica. E justamente por isso que o El Topador surge, para difundir técnicas que envolvem um bom churrasco e que as pessoas não tinham claro nas suas cabeças, né? Assavam pelo feeling, não porque haviam aprendido a técnica correta. Então, fui para a Argentina, fui para o Uruguai, aprendi com os melhores mestres parrilleros essas técnicas e trouxe para o Rio Grande do Sul”, comenta Antônio.

Associado à tradição do churrasco gaúcho e ao modo de preparo do churrasco na região, Antônio cita que, com certeza, o mate se torna indispensável. Segundo ele, não tem outro tão próximo e tão intrínseco. O mate e o churrasco forjaram a história do gaúcho quanto o ritual de tomar o mate e acender o fogo é o início de toda a arte. Além disso, ele explica que é importante a tradição, sempre vai ser, mas também é importante a ressignificação, o olhar técnico sobre as coisas. Antônio ressalta que o churrasco, por mais que seja algo muito antigo, nunca foi visto como técnica, tanto é que o El Topador nasce como o primeiro projeto de dar Curso no Brasil, de parrilla criolla argentina e de fogo de chão, e acaba influenciando toda uma geração, acaba influenciando toda uma cadeia de empreendedores que largaram seus empregos para começar a assar, entendendo que era viável viver do assado como uma profissão. 

“Nós aqui temos a nossa técnica do espeto e do fogo de chão, no qual a gente carrega para o mundo inteiro, em todos os continentes, e que influencia, sem dúvida, na escolha do tempo e de como a gente vai fazer, mas existem muitas outras técnicas que a gente também usa. Não tem como a gente não mencionar a maionese, o arroz, a farofa, um molho de chimichurri, um molho de salsa criolla. Esses são os itens básicos para a gente ter bons acompanhamentos. O fogo é o pilar número um para essa técnica. É ele que domina tudo, ele que coordena o resultado, ele que coordena o tempo, ele que coordena o sabor do churrasco. Na verdade, não tem uma adaptação da tradição gaúcha para atender gostos e necessidades. Há um entendimento inicial sobre o fogo e a partir do gosto ou do cardápio se utiliza ele e se adapta ele para atender os pratos e as necessidades dos clientes, mas não necessariamente a tradição gaúcha precisa ser adaptada. Ela é uma, ela tem o seu lugar, ela tem a sua beleza, ela tem a sua técnica, para assar e atender as necessidades”, explica Antônio.

Assim como o churrasco, a arte de cutelaria também se destaca como essencial associada à tradição do churrasco gaúcho. Dentro da indumentária gaúcha, desde os tempos mais remotos, a faca sempre esteve presente, e sempre foi utilizada como ferramenta para as mais variadas atividades, dentre elas, o preparo do alimento, seja nas casas, nas fazendas ou nas tropeadas, seja para o preparo de um arroz de carreteiro, um bom churrasco, entre outras "boias" tradicionais da gauchada. Tiago Thums, fundador da Cutelaria Tradição, cutelaria caxiense, compartilha que a faca, o fogo e a panela, são as principais ferramentas de qualquer cozinheiro. 

Segundo ele, quando falamos em ferramentas, a qualidade é fundamental. Ele acredita que muitas pessoas já devem ter passado raiva com facas sem fio e que não cortam. Já para o cozinheiro doméstico, o ato de cozinhar se torna uma diversão, algo meditativo, quase terapêutico, em que o cozinheiro esquece as demais mazelas de vida e se concentra em preparar a melhor refeição ao seu alcance. Nesse momento ele quer extravasar sua energia criativa em forma de sabores e experiências gustativas, e a última coisa que deseja é se preocupar se a faca está afiada, limpa, torta etc. Então, a qualidade de uma boa faca é fundamental para proporcionar uma experiência satisfatória sem preocupações inconvenientes.

Foto: Captura de tela - https://www.cutelariatradicao.com.br/
“Sempre sonhei em ter meu próprio negócio, desde criança. a cutelaria surgiu como uma diversão fora de hora, arrumando e melhorando facas de amigos e colegas de trabalho. Já cansado de "trabalhar para os outros" pedi demissão da empresa onde trabalhava na área de engenharia, e investi tudo que tinha em algumas máquinas e na construção de um pequeno galpão com 28m², isso lá em 2010. Aí nasce a Cutelaria Tradição. Meu maior desafio nesse meio tempo foi desenvolver uma metodologia própria de trabalho, desenvolvendo meus próprios equipamentos e ferramentas, visto que quando comecei, a cutelaria nacional estava apenas engatinhando, muito diferente do mercado que vemos hoje, onde existem empresas especializadas nas venda de equipamentos e insumos para a cutelaria artesanal”, conta Thiago.

Thiago afirma acreditar piamente no poder da evolução e da tecnologia, mas sem perder os valores. Como fundador da Cutelaria Tradição, Thiago compartilha que sempre buscou o que existe de mais moderno em termos de processos de fabricação e tecnologia para entregar aos seus clientes um produto único, exclusivo e de alto nível. Apesar de investir em automação em alguns processos que necessitam de repetibilidade, Thiago afirma que é simplesmente impossível substituir o capricho e a atenção aos detalhes que um ser humano pode ter. Nesses processos chaves vem à tona o nome da minha empresa ‘Tradição’.

“Muitos dos processos que utilizo foram desenvolvidos a muito tempo. Muitos deles me foram ensinados por pessoas mais experientes do que eu. Lembro como se fosse hoje, o senhor Darcy Corso, me mostrando como fazer a confecção de uma bainha em couro, ou o amigo Ismael Beigelmeier me ensinando a dar acabamento em pequenos detalhes das facas artesanais. Ou os amigos Daniel Jobim e Tom Silva, me ensinando a mágica técnica do caldeamento do aço damasco. Esses ensinamentos sem dúvidas serão passados para a próxima geração que irá assumir meu negócio. Além de confeccionar facas de diversos estilos, também estou desenvolvendo um workshop onde o interessado poderá fazer a sua própria faca nas dependências da minha oficina, imagine que experiência interessante confeccionar sua própria faca, e em seguida colocar ela em uso, preparando uma refeição”, comenta Thiago.

Segundo ele, bons cuteleiros sem dúvidas vão alcançar novos mercados e desenvolver novas tendências, enquanto muitos dos aventureiros que surgiram durante e depois da pandemia vão acabar sucumbindo às dificuldades dos momentos de crise que estão por vir.

“Acredito que o futuro pode ser brilhante, para quem tiver a capacidade de seguir as novas tendências e se reinventar, mas, sem jamais abrir mão dos valores e da tradição do artesanal”, conclui.

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