Crise Climática: seca, enchentes e calor extremo ameaçam o Brasil e abrem olhar para ações futuras
Cientistas alertam sobre a intensificação dos fenômenos climáticos e a necessidade de ações urgentes
Os últimos acontecimentos climáticos provocados pelos efeitos do aquecimento global, unidos aos efeitos do El Niño, têm dado espaço para questionamentos que vêm sendo abordados há décadas pelos cientistas a respeito das condições da terra. Desde a época dos nossos avós, ouvimos afirmações de que o mundo acabará em algum momento devido às consequências da industrialização, e o uso e descarte de recursos em ritmo acelerado. Em 2023, por exemplo, ocorreram diversos acontecimentos extremos, como a seca severa no norte do país, os ciclones e enchentes em cidades do Rio Grande de Sul, e a onda de calor excessiva em parte do país.
Tudo isso já vem sendo alertado pelos cientistas há vários anos. Em um conteúdo publicado pela Folha de São Paulo, a quantidade de secas e cheias no país sofreu um aumento expressivo nos últimos dez anos. Como exemplo, a matéria cita os rios Taquari e Caí, no Rio Grande do Sul, que bateram os três maiores recordes de cheia desde 2022. Já o rio Amazonas, que havia tido a sua maior cheia em 2021, teve sua pior seca em 2023.
As enchentes provocadas em Porto Alegre pelo transbordamento do lago Guaíba não são um problema isolado. O Serviço Geológico do Brasil (SGB) aponta, em levantamento feito para a Folha, que recordes de enchentes e secas foram bem mais comuns na última década do que em períodos anteriores. Em uma explicação simples, o cientista e influenciador Sérgio Sacani, em entrevista para o podcast PodPah, afirma que o planeta não acabará como muitos falam, mas sim a humanidade, visto que a humanidade foi criada para viver em condições climáticas que temos atualmente, mas não em condições climáticas extremas que teremos no futuro, segundo diversas pesquisas sobre clima.
Em entrevista, o fundador do Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites (LAPIS), professor e meteorologista, Humberto Barbosa, compartilha que o LAPIS, em colaboração com o relatório especial do IPCC (2019), reuniu todas as pesquisas dedicadas a atmosfera para criar um documento específico de avaliação dos avanços climáticos e consequências sobre a terra. Por meio do relatório desenvolvido por uma equipe de pesquisadores, foi possível perceber que cerca de 13% do território brasileiro está em situação de desertificação, ou seja, uma área que, inicialmente, sofreu degradação. Segundo ele, a área mapeada que mais sofre com a degradação é a região amazônica e o cerrado, porém, a área com maior índice de desertificação é a caatinga brasileira.
Como diagnóstico do estudo, Humberto aponta que a degradação do meio ambiente tem muita influência no contexto de mudanças climáticas. Segundo ele, a quantidade de emissões de gases poluentes emitidos na atmosfera foi duplicada, ou seja, a humanidade pôde experimentar um aumento significativo na temperatura da superfície do planeta, acima do que era em 1850 com cerca de 5°C a menos do que experimentamos atualmente, em função de atividades onde os recursos são explorados.
Como consequência, os eventos climáticos extremos, como enchentes e secas, se tornaram mais frequentes e intensos, refletindo o impacto das mudanças climáticas. Ele ressalta que, além dos efeitos no clima, a situação reflete também na situação econômica e social. Por esse motivo, ele indica que o poder público deve olhar com mais atenção em busca de minimizar os efeitos climáticos com medidas mais agressivas.
“É muito provável que a partir de agora as secas vão voltar e não são mais estritas as região das terras secas brasileiras, mas sim, a região sudeste, centro-oeste até o sul do Brasil. Apesar de que neste momento o extremo sul do Brasil vem enfrentando áreas de enchentes e inundações severas, é provável que no segundo semestre a estiagem possa ser dominante, em função não só da variabilidade climática, mas em função também das mudanças, do aumento das temperaturas e a redução das chuvas”, comenta Humberto.
Além de todas as mudanças climáticas, a humanidade ainda precisa enfrentar os fenômenos climáticos e os seus impactos sobre a terra. A exemplo disso, podemos citar o El Niño, que provoca secas no Nordeste e enchentes no Sul, e La Ninã, que esfria as águas do pacífico trazendo condições opostas. Humberto explica que o LAPIS utiliza tecnologias para monitorar e prever esses fenômenos, ajudando a minimizar seus impactos, porém, é necessário que haja iniciativas concretas que levem em consideração estudos e pesquisas relacionadas ao clima e à atmosfera.
Esses eventos demonstram como as mudanças climáticas e a variabilidade natural dos fenômenos climáticos, como El Niño e La Niña, interagem, potencializando desastres naturais. O aumento das temperaturas globais devido às emissões de gases de efeito estufa intensifica esses impactos, exigindo respostas rápidas e eficientes. Em resumo, a inovação, a tecnologia e a industrialização, embora tragam benefícios, também impõem sérios riscos ao meio ambiente e à humanidade.
A degradação ambiental e as mudanças climáticas em excesso pelas atividades humanas são evidentes para os pesquisadores e sentidas pela população. Por isso, ferramentas como o monitoramento por satélite são essenciais para entender e buscar por mudanças enquanto ainda é possível transformar o futuro. Porém, a redução das emissões de gases de efeito estufa e a gestão sustentável dos recursos naturais são cruciais para evitar que esses avanços tecnológicos levem a humanidade a um ponto sem retorno.
“O aumento das temperaturas condicionam a mais umidade em regiões onde você tem formação ou fenômenos que trazem mais umidade ou em outras áreas onde você tem a condição de fenômeno que deixa a atmosfera mais seca, condição de um padrão El Niño. No caso do nordeste brasileiro, isso inibe a formação de nuvens e, com isso, a atmosfera fica mais seca e você tem uma condição climática que favorece as secas. Em função das altas temperaturas e da redução das chuvas, esse é o padrão principalmente do El Niño, e isso faz com que você tenha essas respostas de desastres extremos, não só fenômenos, mas também do aquecimento global. Como consequência, podemos experimentar mais umidade, e quanto mais umidade, mais calor, mais enchentes, mais chuvas e mais inundações”, comenta Humberto.
O poder transformador das práticas ESG
Para solucionar ou minimizar esses problemas climáticos e evitar que a humanidade sobreviva sob condições intoleráveis para a vida na terra, podemos citar soluções que têm ganhado destaque em meio ao mundo corporativo, o ESG. Em busca dessas mudanças, Anna Beserra, cientista e CEO da CEO da Sustainable Development & Water for All (SDW For All), negócio de impacto social que busca mudar a vida de bilhões de pessoas que sofrem sem acesso à água e saneamento, afirma que o futuro da humanidade depende de ações imediatas e decisivas.
Segundo ela, é necessário reduzir as emissões de gases de efeito estufa, promover a energia renovável, proteger as florestas e recursos hídricos, e adaptar as comunidades aos impactos inevitáveis das mudanças climáticas. Essas medidas são fundamentais e devem ser levadas a sério tanto por empresas, quanto pela população e, principalmente, pelo poder público, como políticas de mitigação, adaptação e resiliência são cruciais.
Segundo ela, as políticas públicas essenciais podem seguir duas linhas principais:
Linha empresarial: Implementar isenções fiscais para empresas com comprovado viés sustentável e taxar aquelas que têm impacto ambiental significativo. Atualmente, muitas empresas com impactos ambientais negativos recebem isenções fiscais, o que precisa mudar.
Políticas afirmativas: Implementar políticas para pessoas em situações de vulnerabilidade, principalmente aquelas em habitações irregulares e territórios de alto risco, para que possam se mudar para locais seguros e com infraestrutura adequada.
Porém, existem desafios que devem ser enfrentados nesse momento, como investir em pesquisa e desenvolvimento, promovendo inovações tecnológicas que sejam economicamente viáveis e socialmente aceitas. Além disso, é importante implementar políticas de incentivo por meio de subsídios e incentivos fiscais para projetos sustentáveis, e promover a educação e conscientização ambiental sobre a importância da sustentabilidade, não somente dentro das escolas, mas em todos os ambientes circuláveis.
Atualmente, a humanidade tem enfrentado diversos desafios em relação a gestão de recursos e saneamento, por esse motivo, o olhar por parte do poder público é fundamental para a massa se interesse pela temática e de fato busque engajar e colocar em prática conceitos que fazem a diferença para o futuro. Entre os principais desafios, Anna cita a escassez de água potável, a poluição dos recursos hídricos, a falta de infraestrutura de saneamento em áreas rurais e urbanas, e a necessidade de tecnologias sustentáveis para a gestão eficiente dos recursos naturais.
Segundo ela, uma abordagem ESG bem estruturada não só eleva a reputação da empresa, como também atrai investidores conscientes e engaja a equipe de trabalho de maneira significativa. Ela aponta que os indicadores concretos de que uma empresa está indo além do básico em suas práticas ESG incluem a redução das emissões de carbono, melhorias nas condições de trabalho e impactos positivos na comunidade local. Esses indicadores não são apenas métricas ambientais e sociais, mas refletem um compromisso profundo com a sustentabilidade e a responsabilidade corporativa.
“As práticas de ESG podem contribuir significativamente para a redução do aquecimento global, especialmente quando as empresas adotam medidas para reduzir suas pegadas de carbono, promover a eficiência energética e utilizar recursos renováveis. Além do impacto ambiental, práticas de ESG bem implementadas também abordam questões sociais, como garantir condições de trabalho justas, promover a diversidade e inclusão, e investir em comunidades locais. Essas ações não só ajudam a mitigar os efeitos das mudanças climáticas, mas também criam um ambiente social mais equitativo e resiliente. Nos próximos anos, o ESG deve se consolidar como uma prática essencial para a sustentabilidade corporativa. Os primeiros passos incluem a implementação de políticas claras, o monitoramento contínuo dos impactos e a transparência na comunicação dos resultados”, aponta Anna.
Já a química e especialista em ESG, Laura Brant, enxerga o futuro do ESG sob uma perspectiva otimista. Para ela, as práticas ESG estarão completamente disseminadas e embasadas em regulamentações rigorosas. Além disso, estarão integradas ao cotidiano das empresas e sujeitas a fiscalização constante por parte das autoridades, investidores e consumidores. Segundo ela, para garantir que as iniciativas ESG sejam efetivas e duradouras, é necessário entender a importância do ESG não apenas como uma adequação a legislações, melhoria de imagem ou valorização de mercado, mas como uma nova mentalidade a ser adotada em todos os níveis da organização e integrada à empresa.
“Com base nos pilares de Meio Ambiente, Social e Governança, será necessário analisar os processos e etapas da empresa para avaliar quais procedimentos precisam ser redefinidos e quais devem ser implementados. Em seguida, é importante planejar as mudanças, definindo metas e métricas a serem alcançadas e estabelecendo um plano de ação para atingi-las. Por fim, deve-se monitorar o andamento do plano de ação com base no que foi estabelecido previamente. Recomenda-se a formação de comitês multidisciplinares responsáveis pela implementação dos passos supracitados e treinamento sobre o tema para todos os funcionários”, comenta Laura.
Ela explica que, embora haja avanços notáveis na regulamentação ESG no Brasil, são necessárias políticas mais rigorosas. Além disso, ela destaca que é essencial enfrentar desafios específicos, como o desmatamento e as emissões de carbono provenientes de setores específicos.
“Reforçar a regulação ESG no Brasil, com base em lições aprendidas com outras regulações internacionais, como a Europeia, é essencial para impulsionar uma abordagem mais abrangente e eficaz. Não podemos negar que já estamos vivenciando os efeitos do aquecimento global. Contudo, as práticas ESG podem contribuir significativamente para a redução das estatísticas e diminuição dos impactos no meio ambiente e na qualidade de vida dos cidadãos. Essa redução, no entanto, depende de uma implementação generalizada e séria por parte das empresas, da população e das autoridades. É necessária uma mudança de mentalidade visando entender que todos temos um papel importante diante dessa realidade e devemos cobrar por mudanças de todos os agentes envolvidos, direta e indiretamente”, reforça Laura.