Mulheres ainda ganham menos do que homens e ocupam menos cargos de liderança
Ambientes corporativos devem ser os primeiros a promover representatividade feminina
Até 1962, mulheres só podiam trabalhar fora de casa com a autorização do marido. Essa bagagem acaba interferindo no sistema patriarcal também nos dias de hoje. Mulheres enfrentam dificuldade em promoções para cargos de liderança e com salários melhores, por exemplo. Situações como essa fazem com que elas ocupem principalmente vagas de serviços e de funções administrativas que costumam ser menos valorizadas e, consequentemente, com salários menores.
O primeiro dado que deixa tudo isso claro é participação das mulheres no mercado de trabalho. De acordo com o Fundo Monetário Internacional, ela é 20% menor que a masculina. De acordo com a Oxfam, os 22 homens mais ricos do mundo possuem mais dinheiro do que todas as mulheres da África juntas, que é o segundo maior continente do mundo. O IBGE apontou que as mulheres brasileiras ganham menos em todas as ocupações, em média 20,5% a menos. Fora isso, a proporção de mulheres em conselhos diretores das 100 maiores empresas da América Latina é de apenas 7%.
Quando falamos em presença feminina nas empresas, também cabe falar sobre a pressão estética, que ainda divide as mulheres entre feias e bonitas, velhas e novas. “Se a mulher é bonita, por exemplo, pode escutar coisas como venha para essa reunião, o cliente é homem, precisamos fechar negócio. Nós não somos enfeites. Há ainda o cuidado com a roupa. Alguns centímetros a menos da saia podem indicar que ela merece um assédio, alguns centímetros a mais podem ditá-la como brega, velha, ou até como feminina de menos”, aponta Giulia Rodrigues Silvestre, relações públicas e empreendedora na @weare.plural, empresa que fortalece negócios por meio de comunicação, eventos e diversidade.
Diante dessas dificuldades, muitas mulheres desistem do ambiente corporativo para empreender. De acordo com o Sebrae, quase metade das empreendedoras mulheres o fazem por necessidade. “A falta de representatividade gera muita insegurança nas mulheres e por isso precisa ser falada, precisa estar em pauta para que se entenda que a questão é muito mais ampla”, comenta Giulia.
Mulheres e o trabalho invisível
Globalmente, 75% do trabalho não remunerado no mundo é feito pelas mulheres, que ficam em torno de três a seis horas por dia em comparação aos 30 minutos a duas horas dos homens. “Mesmo que não esteja no mercado formal, a mulher acaba fazendo um trabalho imenso que é invisível na sociedade. E o que é esse trabalho invisível e não remunerado? O cuidado da casa, da família, dos filhos”, explica Giulia.
Complementando, o IBGE, em 2018, revelou que as brasileiras passam 21,3 horas por semana se dedicando aos cuidados domésticos, contra 10,9 horas dos brasileiros. “Essa diferença toda tem um impacto gigante na saúde mental da mulher, na economia, no energia que ela deixa de dedicar no seu trabalho formal, se houver, buscando por melhores oportunidades de trabalho”, afirma a empreendedora.
Ganhando menos e com menores oportunidades no mercado de trabalho, aumenta o número de mulheres na linha da pobreza. Só que as mulheres que criam seus filhos sozinhas estão chefiando 38,7% dos lares no país. Segundo o IBGE, 56,9% das famílias chefiadas por mulheres estão abaixo da linha da pobreza. “O Gênero e Número, que também recomendo muito como fonte de pesquisa, trouxe dados importantíssimos sobre o quanto as mulheres têm mais medo do desemprego do que os homens. A pesquisa indica que 45% das mulheres, em comparação aos 39% dos homens, têm muito medo do desemprego”, destaca Giulia.
Como reparar os séculos de desigualdade?
Não basta que as mulheres sejam altamente capacitadas e qualificadas para ocupar os cargos, se as oportunidades não vierem na mesma proporção. “Já temos, sim, uma participação maior das mulheres no mercado de trabalho de maneira geral. Mas ainda com baixo padrão salarial e longe do topo hierárquico das empresas”, projeta Giulia.
Mais do que nunca se faz necessária a construção de uma nova cultura empresarial que esteja atenta às necessidades das mulheres, como conciliar jornadas, necessidades de higiene e menstruação, maternidade, etc.
“As empresas precisam construir ambientes acolhedores e seguros para essas mulheres e incentivar que elas ocupem cargos superiores e de maior protagonismo. Como sociedade, precisamos valorizar as profissionais a partir da sua capacidade, dos seus conhecimentos, mas também cientes de que ela precisou superar e ultrapassar muitas barreiras para chegar onde está”, ressalta.
Há setores que estão mais propícios a discutir sobre representatividade feminina?
De maneira geral, as empresas de tecnologia e inovação estão mais abertas às discussões de diversidade. No livro Invisible Woman, Caroline Perez conta um caso do Google, em que a empresa percebeu que as mulheres que haviam recentemente retornado da licença maternidade tendiam a se demitir duas vezes mais do que os demais colaboradores.
Essas mulheres não estavam saindo da empresa porque desejavam sair, mas porque precisavam de mais tempo para o trabalho extra e para os filhos. Para tentar reverter a situação, eles modificaram o sistema de licença maternidade de três meses com pagamento parcial para cinco meses de pagamento integral. Com isso, a taxa de demissões reduziu 50%.
“É sobre as empresas entenderem que não é apenas sobre colocar mulheres para dentro e dar essa missão ao seu RH. As empresas precisam escutar as suas colaboradoras mulheres e de fato aplicar essas mudanças dentro da organização. E representatividade vale para toda a ação que a empresa for realizar. Se sempre estamos falando de homens, usando homens como referência, como as mulheres vão se identificar? Se a liderança é sempre masculina, como aquela mulher vai se imaginar em posições de liderança?”, salienta Giulia.
Um exemplo de avanço na representatividade feminina é que, em 2020, uma mulher gestante apareceu em uma capa de revista de negócios no Brasil pela primeira vez. “O mercado de trabalho não está acostumado a enxergar as mulheres mães como profissionais tão qualificadas quanto os homens. Entra aqui uma discussão forte sobre incluir a licença maternidade no currículo Lattes. Afinal, é um longo período em que a mulher não está produzindo”, relata. “Hoje, temos um acesso muito maior ao mercado de trabalho e ao sistema de educação. Alguns avanços e vitórias são tão essenciais e por vezes óbvios que esquecemos de valorizar”, conclui.