O papel da fotografia na conservação da biodiversidade
Como imagens impactantes ajudam a sensibilizar o público e fomentar a proteção da biodiversidade

Com a capacidade de eternizar memórias, comunicar emoções e sensações, e até mesmo promover produtos, a fotografia se destaca como uma ferramenta poderosa para aqueles que dominam sua arte. Independentemente da técnica utilizada, seja com um celular ou uma câmera fotográfica profissional, ela possui o poder de capturar momentos únicos e transmitir mensagens impactantes. Na área ambiental, a fotografia vai além da estética, desempenhando um papel crucial na preservação da biodiversidade ao documentar a beleza e a fragilidade dos ecossistemas, e ao sensibilizar o público para a importância da conservação.
É por meio das lentes de fotógrafos comprometidos com a causa ambiental, que paisagens intocadas, espécies ameaçadas, ecossistemas em risco e povos originários ganham visibilidade e importância. Esse trabalho visual tem o papel de revelar as consequências das atividades humanas sobre o meio ambiente, instigando uma reflexão profunda sobre a necessidade de preservar nossa biodiversidade.
Com histórias inspiradoras, especialistas na área compartilham suas experiências de atuação e demonstram a importância do trabalho na preservação e valorização do meio ambiente. Miguel Monteiro, fotógrafo residente no Instituto Mamirauá, organização socioambiental localizada no município de Tefé, no Amazonas, compartilha que a paixão pela fotografia, especialmente a fotografia de natureza, tem sido uma ferramenta importantíssima na busca por promover a proteção de ambientes naturais, espécies ameaçadas de extinção e populações tradicionais vulneráveis.
Segundo ele, a fotografia embasada em estudos científicos e motivada pela vocação de querer proteger a sociobiodiversidade da maior floresta tropical do mundo tem enorme potencial de transmitir informações importantes e chamar a atenção do público em geral para questões cada vez mais urgentes que assolam a região Amazônica. Ele explica que a fotografia, ao combinar elementos da realidade concreta com seu poder artístico de comover o espectador, reúne os componentes essenciais para conscientizar o público sobre questões frequentemente inacessíveis.
Uma boa fotografia vai além de simplesmente informar; sua composição, enquadramento, timing e iluminação são aspectos cruciais que conferem à imagem o poder de impactar profundamente o observador e despertar a consciência.

"Em setembro de 2023, durante uma seca extrema na Amazônia, comecei a registrar a morte inédita de botos-cor-de-rosa e tucuxis em Tefé, Amazonas. Minhas fotos impactantes estamparam veículos de comunicação mundial, como The Guardian e Le Monde, e foram cruciais para chamar a atenção do poder público e arrecadar doações. A disseminação das fotos impactantes e das informações compartilhadas por pesquisadores foi crucial para chamar a atenção do poder público para a questão e arrecadar doações para enfrentar a crise. Tenho total convicção de que a fotografia foi um componente chave para possibilitar uma resposta à altura da crise que estava se desenrolando à nossa frente”, comenta Miguel.
Ele revela ainda como a fotografia é vital para a preservação ambiental. Segundo ele, enfrentar os desafios da Amazônia, como condições extremas e a necessidade de fotografar em movimento, exige planejamento meticuloso e uso de equipamentos adequados e, apesar das dificuldades, o trabalho é essencial para capturar imagens que destacam a beleza e a vulnerabilidade da região.
Sobre o impacto das redes sociais e plataformas digitais, Miguel menciona que esses meios são essenciais para ampliar o alcance das fotografias e sensibilizar o público para questões de conservação de forma massiva.
“Redes sociais permitem alcançar um vasto público, enquanto plataformas digitais oferecem espaço para conteúdos mais detalhados, engajando audiências específicas e fomentando a conscientização. Uma boa fotografia não só informa, mas também emociona”, compartilha Miguel.
Para Ahmad Jarrah, jornalista e fotógrafo documental premiado, o trabalho é movido por paixão, pois dificilmente profissionais dessa área possuem um retorno financeiro compatível com o nível do trabalho. Segundo ele, é necessário trabalhar duro para atuar no setor, fotografando muitas vezes em áreas remotas, com pouca acessibilidade e com poucos recursos. Ele conta que recentemente, quando voltou de uma viagem em uma aldeia na Amazônia mato-grossense, no norte do Mato Grosso, voltou doente devido às questões sanitárias, algo que foge do controle dos profissionais que atuam no setor. Apesar das dificuldades, ele destaca que é importante trazer essas histórias para pautar o debate.
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“São essas histórias que ajudam a conservar a biodiversidade, assim como a presença dos povos indígenas, os parques e as áreas de conservação. A fotografia também é mais um instrumento para auxiliar na conservação da biodiversidade. A fotografia é fundamental e imprescindível”, ressalta Ahmad.
Ahmad destaca ainda a importância da fotografia na preservação ambiental e em influenciar políticas. Ele explica que a fotografia pode impactar a preservação de várias formas, incluindo a interferência em políticas de demarcação e ações socioambientais. Ahmad relata que, recentemente, sua equipe recebeu uma denúncia sobre o avanço do agronegócio em terras indígenas, o qual estava sendo tratado de forma inadequada pelo poder municipal e estadual.
Com o financiamento obtido, foram a campo e descobriram a prática de arrendamento ilegal. O resultado da reportagem acabou gerando uma série de pequenas reportagens de outros veículos e influenciou processos judiciais, levou à interrupção do projeto e à demissão do responsável pela Secretaria de Assuntos Indígenas de Campinápolis. Ahmad enfatiza que a fotografia desempenhou um papel crucial na mobilização e na resposta às crises.
Ele também compartilha um outro exemplo de impacto da fotografia e reportagem na divulgação de informações importantes para o cenário ambiental.
“Recebemos uma denúncia sobre grandes incêndios na Chapada dos Veadeiros que não estavam sendo cobertos pela mídia. Confirmamos a situação e publicamos a reportagem, que teve mais de um milhão de visualizações. O ministro Ricardo Sales enviou brigadistas e equipamentos após nossa cobertura. A fotografia e a informação jornalística foram essenciais para mobilizar os recursos necessários para combater o incêndio”, explica.
Ahmad menciona ainda os desafios éticos da fotografia documental. Ele explica que a fotografia de conservação, especialmente em crises climáticas, envolve uma responsabilidade ética significativa. Segundo ele, o fotógrafo deve estar ciente de que a vida das pessoas não tem um prazo definido, ao contrário do tempo que ele passa no campo. Isso exige cuidado para não expor as comunidades a riscos, protegendo sua identidade e respeitando aqueles que não querem ser identificados.
“A fotografia documental pode ser comparada a um trabalho de guerra, com perigos reais que precisam ser gerenciados com responsabilidade”, comenta.
Sobre o papel das mídias, assim como Miguel, Ahmad afirma que as redes sociais são fundamentais para a divulgação e impacto do trabalho fotográfico, mesmo que a imprensa publique em sites e jornais, as redes sociais se tornam meio de alcance massivo, permitindo um espaço mais amplo para engajar a discussão. Mostrar a realidade da crise climática e seus impactos diários é vital para criar conscientização, semelhante a avisos de saúde em maços de cigarro.
Ele também destaca a importância do apoio para a produção fotográfica. Segundo ele, produzir conteúdo sobre conservação é caro, especialmente em termos de deslocamento e equipamentos.
“Ter apoio financeiro e parcerias é fundamental. Muitas vezes, a mídia e o agronegócio influenciam a edição, tornando difícil a exposição dos impactos negativos. As redes sociais ajudam a alcançar tanto o público global quanto o local, que precisa ser sensibilizado. Investir em exposições locais pode fazer a diferença. É essencial que a comunidade veja e debata essas questões. A fotografia pode incentivar a discussão e motivar ações, mostrando que a luta pela conservação é um esforço coletivo. A falta de apoio e financiamento adequado para esse trabalho é um desafio contínuo, e políticas públicas que fomentem a comunicação ambiental são necessárias para gerar impacto real tanto local quanto nacionalmente”, finaliza.
O papel da comunicação na conservação da biodiversidade
Jaqueline Sordi, bióloga e jornalista científica e ambiental, enfatiza a importância da comunicação científica e ambiental na conservação da biodiversidade. Ela afirma que, há décadas, o mundo vive um processo de disrupção, resultante da construção secular de conceitos que relacionam desenvolvimento com dominação, partindo do princípio de que a evolução só ocorre a partir da separação entre homem e natureza. Segundo ela, é a partir deste sistema conceitual, que tem se estabelecido nas sociedades ocidentais contemporâneas, que se dá a relação do indivíduo com o meio, ou seja, seus julgamentos, expectativas e ações.
Apesar disso, ela destaca que essa relação, fundamentada na ideia do homem como centralidade e da natureza como recurso, está em crise. Após décadas de exploração desenfreada, a sociedade começa a enfrentar uma resposta da Natureza a essa forma de enxergá-la e agir sobre ela.

“Liderada principalmente pelas mudanças climáticas, que têm nas emissões antropogênicas de gases de efeito estufa seu principal vetor, esta crise se manifesta nas mais diferentes áreas e desafia o futuro. É neste ponto que a comunicação entra como um elemento central, uma vez que é capaz de trazer uma outra dimensão da Natureza, esta essencial para a conscientização da população sobre a importância de preservar e conservar a biodiversidade”, comenta Jaqueline.
Ela ressalta que a comunicação científica e ambiental exerce um papel educativo ao aproximar a população de temas complexos de forma didática e contemporânea. Além disso, ela aponta que isso tem o potencial de influenciar políticas públicas e práticas empresariais ao trazer denúncias de iniciativas danosas ao meio ambiente e ao propor soluções, além de aproximar a ciência do público em geral.
A comunicação pode ser utilizada como ferramenta eficaz na educação e sensibilização ambiental, promovendo uma mudança de paradigma ao fazer o público refletir sobre seus valores, seus modos de vida e a forma como se relacionam com o meio em que vivem. Para isso, Jaqueline afirma que é preciso que a comunicação aborde assuntos relacionados à natureza de forma completa, reflexiva, e que os traduza de forma criativa e cativante para quem consome o conteúdo.
“Temas ambientais ainda são vistos como assuntos complexos pela maior parte da população, e por isso acabam sendo muitas vezes pouco atrativos. Captar a atenção dos diversos públicos e entregar um conteúdo que seja de fácil assimilação está entre os principais desafios de projetos de comunicação focados na conservação da biodiversidade, por isso é preciso que eles sejam criativos, profundos, consistentes, mas de fácil compreensão. Somente assim são capazes de atingir os públicos e mobilizar as pessoas”, comenta.
Segundo ela, biólogos e pesquisadores das mais diferentes áreas ambientais detêm o conhecimento profundo sobre seus campos de estudo, e por meio desse conhecimento, que se torna possível uma comunicação ambiental capaz de chegar na sociedade de forma eficaz e promover as mudanças tão necessárias para a conservação da biodiversidade.
“Hoje já temos evidências claras de que o modelo de sociedade centralizada em uma visão antropocêntrica é insustentável a longo prazo, e que traz danos irreversíveis ao planeta. Meu conselho a todos que desejam trabalhar com comunicação ambiental, seja por meio de texto, vídeo, áudio ou fotografia, é dar um passo atrás e repensar na sua própria relação com o meio em que vive, na forma como enxerga os elementos da natureza e como os valoriza. Somente uma mudança profunda de consciência por quem transmite o conhecimento é capaz de provocar mudanças também profundas em quem recebe esse conhecimento”, conclui.