O poder da ocitocina e a relação hormonal do consumo
Por Fabiano Cruz, CEO da Alot

Nesse mundo pós-pandemia em que vivemos, cercado de algoritmos por todos os lados, vejo as pessoas falando muito sobre experiência do cliente -- e até aí, perfeito. É uma discussão absolutamente necessária. Também noto que muitas se limitam ao olhar exclusivamente técnico. Sempre me interessei por humanidades e, recentemente, fiz uma especialização em neurociência e comportamento para conectar essa vivência ao conhecimento em ciência de dados. Afinal de contas, a inteligência artificial precisa ser transversal às discussões, e quando conseguimos ampliar nosso olhar, as possibilidades do fazer não têm limites.
Já caiu no gosto popular falar sobre serotonina e dopamina, substâncias que promovem sensação de bem-estar liberadas durante a prática de exercícios físicos ou ao saborear uma barra de chocolate. Logo a ocitocina, também chamada de ‘o hormônio do amor’, presente nas relações de confiança, afeto e nos momentos de alegria, deve se tornar a queridinha das marcas. Pois várias empresas sabem disso e usam a seu favor.
Para conquistar o coração do consumidor, a Boticário lançou o perfume Linda Felicidade, em 2019. A pesquisa de desenvolvimento começou em 2017, na sede inglesa da Givaudan, a casa de fragrâncias suíça que fez parceria com a marca brasileira. A fragrância, que combina notas de baunilha, limão-siciliano, caramelo e frutas vermelhas foi criada com base em reações humanas levantadas graças à neurociência. Os cientistas usaram eletrodos para identificar a sensação de alegria no rosto, e testes para detectar sinais cerebrais associados à felicidade.
O Itaú lançou a campanha para celebrar seus 100 anos. Ninguém menos do que Madonna, Ronaldo, Fernanda Montenegro, a jogadora do futebol feminino brasileiro, Martha, Jorge Benjor e a bailarina Ingrid Silva para falarem sobre memórias, reinvenção e valor. Os filhos dos filhos se lembrarão, dizem. E duvido que o anúncio tenha passado despercebido por alguém aqui. De novo, foram considerados pessoas e mensagens que despertam alegria, simpatia e sentimentos positivos.
Agora, a minha pergunta: você já se preocupou em saber o que faz o seu cliente feliz, alegre, com vontade de comprar, e mais, de virar freguês da sua marca? Ou joga futebol como as crianças, que saem correndo atrás da bola sem estratégia? Não quero desanimar os empreendedores, muito pelo contrário. Não precisamos ter a grana do Itaú para pagar cachês milionários ou recursos para desenvolver um perfume com toda a pesquisa e o know how como a Boticário. Mas podemos fazer capturas.
No mínimo, nos preocupar com o olhar mais humano, buscar os feedbacks de relacionamento, de consumo, ainda que seja por meio de uma pesquisa. Lembra dos cartões com selos ou carimbos de fidelidade nos restaurantes, acompanhados com as perguntas clássicas “Estava boa comida?”, “Você voltaria porque gostou de verdade, ou só por causa do cartão?” Ali, o dono do restaurante já tem um termômetro e pode ir melhorando todo dia. Jeito mais analógico do que esse não há. No entanto, ele traz em si o sentido que quero passar aqui.
Identificar quantidades e dados e colocar em um simples Excel, já é um passo. Ampliando numa escala, com tecnologia, se ganha mais velocidade para entender e reagir. Um banco de dados, ambientes CRM são outros passos, e dá para ir além. É possível capturar sentimentos com padrões de anomalias -- processo que utiliza machine learning para detectar mudanças no padrão de comportamento do consumidor. Ou via canais de relacionamento como o WhatsApp ou outras redes sociais. Nesse caso, estar presente nos diversos canais por onde circula o cliente é fundamental, e desenvolver esse olhar para poder ir aos poucos categorizando a segmentação.
Quando você tem o dado histórico, consegue predizer uma tendência de consumo e essa é a grande sacada do momento. O caminho da descoberta passa pela tríade: saber quem é o usuário, levantar seus dados transacionais e comportamentais (por exemplo, os emojis que manda) e criar a estratégia de marketing. Já a pesquisa de NPS não necessariamente imprime o momento de expressão do sentimento. Por isso, afirmar o contrário é uma falácia.
Enquanto todo o arcabouço que inclui o laboratório que verifica e monitora os impulsos neurais para medir o quanto determinado produto gera confiança, felicidade, tristeza, inimizade, enfim, sentimento, vamos pensando formas mais acessíveis de conquista. Eu não diria que vai levar muito tempo para isso mudar. Porque, quanto mais a tecnologia se populariza, mais barato fica para alcançar esses mesmos graus de inteligência para o negócio. Já vimos esse filme algumas vezes.
No final das contas, o mindset da empresa importa tanto quanto a tecnologia. Entender que relacionamento próximo é a chave e, para isso, buscar alternativas. Só assim, será possível despertar nas pessoas o hormônio da alegria no momento da compra. Sem isso, nada vai garantir que elas voltarão. E você não quer a fugacidade, a relação frágil e líquida com o seu consumidor, quer?
*Fabiano Cruz é CEO da Alot, agência que atua como uma consultoria de negócios com foco em inovação e experiência do usuário e spin-off da Deal Technologies. O executivo teve atuações anteriores em empresas como Deal, CR2 Studio, Elocc e Walmart. Graduado em Publicidade e Marketing pelo Centro Universitário UniCarioca, possui MBA em Gestão Estratégica e Econômica de Negócios pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), MBA em Data Science pelo Centro Universitário FMU e especialização em Neurociências e Comportamento pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS). Com mais de 20 anos de atuação em marketing, gerenciamento de projetos e desenvolvimento de negócios, o executivo tem conhecimentos que abrangem diferentes segmentos de mercado, incluindo varejo, tecnologia, produtos farmacêuticos, finanças, seguros, educação, cosméticos e bens de consumo. Mais informações em https://www.linkedin.com/in/fabianocruzcom.