Assédio moral ou feedback? Como lidar com comportamentos tóxicos no ambiente corporativo

23/7/24
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Publicado por 
Redação Start

Especialistas explicam como distinguir críticas construtivas de práticas abusivas e manter um ambiente de trabalho saudável e produtivo

Foto: Unsplash
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No ambiente de trabalho moderno, a cultura do feedback tem se expandido e se tornado cada vez mais frequente, para estimular o colaborador a produzir de uma maneira mais fluida e satisfatória, tanto para si, quanto para a empresa. Que um trabalhador feliz produz melhor, isso é fato. No entanto, nem todo feedback é positivo e, principalmente, nem todas as críticas são o que parecem ser. Em alguns casos, o que é apresentado como feedback pode esconder práticas de assédio moral, um problema que afeta a saúde mental e o bem-estar dos colaboradores.

O assédio moral disfarçado de feedback, assim como o preconceito velado, pode ser sutil e difícil de identificar, e confundido com a clássica frase: “não foi o que ele quis dizer”, mas que tem efeitos negativos nos colaboradores. Esses comportamentos e falas podem ser chamados de ‘passivo-agressivos’, ou seja, comentários e críticas constantes que podem surgir como uma fala calma e serena ou em tom de brincadeira, em busca de manipular ou depreciar o indivíduo ou funcionário de uma empresa. Por isso, saber diferenciar quando um líder ou colega de trabalho está sendo tóxico e consigo é essencial para manter o ambiente de trabalho saudável, produtivo e, como consequência saber lidar e se minar de críticas dessa natureza.

Em uma análise, Tatiana Pimenta, fundadora e CEO da Vittude, referência no desenvolvimento e gestão estratégica de programas de saúde mental para empresas, destaca que o assédio moral é uma prática abusiva e repetitiva que visa desqualificar, humilhar ou prejudicar um colaborador, comprometendo sua dignidade e integridade. Ela explica que esse comportamento cria um ambiente de trabalho hostil e pode causar sérios danos à saúde mental e ao bem-estar do indivíduo. O assédio moral se caracteriza por atitudes como insultos, intimidação, exclusão e sabotagem do trabalho alheio.

Por outro lado, Tatiana destaca que o feedback construtivo é uma comunicação clara e específica destinada a ajudar o colaborador a melhorar seu desempenho e desenvolvimento profissional. Esse tipo de feedback é oferecido com respeito e de forma objetiva, destacando pontos de melhoria de maneira encorajadora e oferecendo sugestões práticas para o crescimento.

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“Algumas dicas para que o feedback construtivo seja eficaz incluem realizá-lo em ambientes privados, garantindo a confidencialidade e o conforto do colaborador. Além disso, é essencial que o feedback seja equilibrado, reconhecendo também os pontos fortes e conquistas, além das áreas de melhoria. A principal diferença entre assédio moral e feedback construtivo reside na intenção e na abordagem. Enquanto o assédio moral visa ferir e desestabilizar o colaborador, o feedback construtivo tem como objetivo apoiar e desenvolver o potencial do profissional. O feedback construtivo é baseado na franqueza, no respeito e na vontade de contribuir para o progresso do colaborador e da equipe, promovendo um ambiente de trabalho saudável e colaborativo”, comenta Tatiana.

Larissa Ghesla, advogada trabalhista, explica que o comportamento passivo-agressivo é uma agressão disfarçada, de modo que, a pessoa que recebe uma fala agressiva, passa a se sentir confusa, sem saber distinguir se o que ouviu a seu respeito ou sobre o seu trabalho é algo bom ou ruim. Como exemplos de frases clássicas utilizadas por colegas ou líderes que possuem abordagens passivo-agressivas, Larissa cita:

- Quando o superior chega ao funcionário e, com um tom de voz diferente do normal, lhe diz “tudo bem, eu entendo”, “não precisa se preocupar”, ou “eu só queria ajudar”;

- Muda a forma de falar ao se comunicar com o funcionário, para demonstrar poder sobre ele; 

- Punir o funcionário após algum acontecimento, lhe tratando com indiferença e com respostas rasas e curtas. 

Segundo ela, esse tipo de atitude desperta no funcionário um sentimento de culpa pelo que está acontecendo, sendo que na maioria das vezes a culpa não é sua. Ela destaca que as gerações que mais sofrem com o assédio moral são os jovens que estão querendo se inserir no mercado de trabalho, e os idosos. Também é comum cobrarem dos jovens que tenham experiência e ainda são considerados preguiçosos pois precisam passar pelo processo de aprendizagem da função, e é exatamente por não terem tanta experiência que muitos trabalhadores jovens não entendem que possam estar passando por um assédio moral.

Já no caso dos funcionários idosos e mais experientes, Larissa destaca que são considerados pelos seus superiores “velhos” demais para entregar um bom trabalho e assim começam a sofrer assédio moral, junto disso vem sofrendo uma discriminação por conta da sua idade, o que é chamado de etarismo. Além disso, ela aponta que o gênero também é um grande influenciador na hora de avaliar as questões de assédio moral sofridas no trabalho, pois mais de 71% dos profissionais que sofrem assédio moral no país são mulheres, enquanto 25% são homens.

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“As frases mais ouvidas pelos colaboradores são: “Você precisa cumprir esta meta até o final do dia, se não será demitido”, “Se você não está gostando, pode pedir demissão”, “Não existe lugar aqui para quem não quer trabalhar”, “Não quer trabalhar, fique em casa”, “Você é totalmente substituível”, “Você vive de atestado, desse jeito vai ser demitida”. São frases simples, mas que atingem diretamente o psicológico do trabalhador, fazendo com que se sinta coagido e até prejudicando o seu rendimento no trabalho”, compartilha Larissa.

Tatiana aponta que, embora o feedback seja uma ferramenta essencial para o desenvolvimento profissional, às vezes ele pode ser utilizado de maneira inadequada e mascarar comportamentos de assédio moral. Existem alguns sinais que indicam que um feedback pode estar mascarando assédio moral:

Frequência excessiva e negatividade constante: Se o feedback é constantemente negativo, repetitivo e não apresenta um equilíbrio com pontos positivos, pode ser um sinal de assédio. O feedback construtivo deve incluir reconhecimentos e não apenas críticas.

Falta de especificidade e objetividade: Feedbacks vagos, genéricos e sem exemplos específicos podem ser utilizados para desmoralizar um colaborador, ao invés de ajudá-lo a melhorar. Um feedback construtivo deve ser claro e específico.

Tom humilhante ou sarcástico: Se o feedback é dado com um tom de voz agressivo, humilhante ou sarcástico, ou se é acompanhado de insultos ou desrespeito, é um sinal claro de assédio moral.

Intenção de desestabilizar: Se o feedback parece ter a intenção de desestabilizar emocionalmente o colaborador, ao invés de ajudá-lo a crescer, pode ser um indicativo de assédio. Feedback construtivo deve visar o desenvolvimento e não a destruição da autoconfiança.

Falta de orientação para melhorar: Feedback sem sugestões práticas ou um plano de ação claro pode ser usado para desqualificar o colaborador sem dar a ele a oportunidade de se desenvolver.

Como os colaboradores podem identificar isso:

Autoconsciência: Colaboradores devem estar atentos a como se sentem após receber feedback. Sentimentos de desvalorização, humilhação ou estresse constante podem ser sinais de assédio.

Busca por exemplos concretos: Verificar se o feedback é específico e baseado em exemplos concretos. Se não for, pode ser um sinal de que não é construtivo.

Comparação com outros feedbacks: Comparar o feedback recebido com o tipo de feedback dado a outros colegas. Se houver um padrão de negatividade direcionado a uma única pessoa, pode ser um indicativo de assédio.

Ambiente e contexto: Observar o ambiente e o contexto em que o feedback é dado. Feedbacks públicos ou em contextos inadequados podem indicar intenção de humilhar.

Feedback equilibrado: Um feedback saudável deve ser equilibrado, reconhecendo tanto os pontos fortes quanto as áreas de melhoria. Apenas apontar falhas pode ser um sinal de comportamento abusivo.

Além disso, Tatiana compartilha os conceitos da Comunicação Não Violenta (CNV), abordagem desenvolvida por Marshall Rosenberg que busca promover a empatia e a conexão autêntica entre as pessoas. Segundo ela, ao aplicar princípios de CNV o indivíduo pode ajudar a distinguir a diferença entre o feedback construtivo de assédio moral, como passar a observar sem julgamentos, por exemplo, ao invés de dizer: "Você sempre comete erros", um feedback baseado em CNV diria "Notei que nos últimos três relatórios houve erros nos cálculos."

Ela destaca também que é importante comunicar como o comportamento impacta o trabalho ou o ambiente, usando expressões de sentimentos. Ao invés  de: "Você nunca faz isso direito," uma abordagem CNV seria: "Fico preocupado quando vejo erros repetidos nos relatórios, pois isso pode impactar a qualidade do nosso trabalho." Segundo Tatiana, o CNV enfatiza ainda a identificação das necessidades subjacentes. Por exemplo, "Precisamos garantir a precisão nos relatórios para manter a confiança dos nossos clientes." Ao utilizar o método de CNV, o feedback se torna uma ferramenta para fortalecer a colaboração e o desenvolvimento, evitando que se transforme em uma forma de assédio. Promover um ambiente de comunicação empática e respeitosa é fundamental para o bem-estar e o crescimento dos colaboradores.

Larissa ressalta ainda que outra forma corriqueira de assédio moral disfarçado, é quando um líder apresenta um problema de um funcionário na frente de todos os seus colegas, fazendo com que o funcionário se sinta constrangido, ao mesmo tempo em que o superior quer fazer com que o funcionário se sinta acolhido. Os sinais que devem ser observados no momento do feedback são os elogios, se estão surgindo  de uma forma sincera, ou se por trás dele tem uma crítica negativa, ou se o seu superior “critica” o funcionário na frente dos colegas, mas justifica a sua crítica como um feedback, fazendo com que o subconsciente do funcionário interprete aquela fala como algo bom, ou se existe um excesso de “feedbacks” para o funcionário. Larissa destaca ainda que as comparações constantes com outros colaboradores também são uma forma negativa de avaliar a performance de um indivíduo

“Vale lembrar que um bom feedback jamais irá ofender o colaborador, sendo constante ou exagerado, pois ele serve para direcionar os funcionários, ressaltando o que está bom e o que deve melhorar para o seu crescimento profissional”, comenta Larissa.

Tatiana destaca ainda que o assédio moral pode impactar negativamente a rotina e a saúde mental dos colaboradores, causando sérios problemas na produtividade da equipe que, quando realizados e sentidos com frequência podem causar altos níveis de estresse e ansiedade, constante sensação de ataque e desgaste emocional, desesperança e tristeza profunda, levando à depressão, baixa autoestima, síndrome de burnout e problemas físicos como dores de cabeça, problemas gastrointestinais, insônia e outras condições relacionadas ao estresse. 

Além disso, pode haver uma redução da motivação e desengajamento com o propósito da empresa, desatenção que pode gerar erros ou queda na qualidade do trabalho produzido, absenteísmo, alta rotatividade de funcionários e insegurança e temores por serem possíveis próximos alvos, resultando em um ambiente de trabalho tóxico e improdutivo.

“Importante destacar que nos diagnósticos realizados pela Vittude em dezenas de empresas brasileiras, identificamos uma forte correlação positiva entre a percepção de assédio e a baixa segurança psicológica. A segurança psicológica é a crença de que o ambiente de trabalho é seguro para a expressão interpessoal, onde os colaboradores se sentem respeitados e valorizados, sem medo de represálias ou humilhações. Quando a segurança psicológica é baixa, os colaboradores se sentem inseguros para compartilhar suas ideias, cometer erros ou pedir ajuda. A baixa segurança psicológica tem uma alta correlação com o aumento dos casos de sofrimento psíquico, aumento da propensão ao burnout e a geração de maiores passivos trabalhistas para as organizações. Um ambiente onde o feedback é percebido como assédio agrava esses problemas, criando um ciclo vicioso de medo, baixa moral e alto turnover”, dispara Tatiana.

Para ajudar gestores que buscam garantir o bem-estar dos seus funcionários, e buscar abordagens mais amigáveis para os feedbacks, os líderes devem adotar práticas que promovam a comunicação empática, respeitosa e orientada para o desenvolvimento, como:

-  Descrever fatos e comportamentos específicos sem fazer julgamentos ou generalizações. Exemplo: “Notei que nos últimos três relatórios houve erros nos cálculos.”

- Comunicar como o comportamento impacta o trabalho ou o ambiente, usando expressões de sentimentos. Exemplo: “Fico preocupado quando vejo erros repetidos nos relatórios, pois isso pode impactar a qualidade do nosso trabalho.”

- Enfatizar as necessidades subjacentes. Exemplo: “Precisamos garantir a precisão nos relatórios para manter a confiança dos nossos clientes.”

- Incluir pedidos claros e realizáveis. Exemplo: “Poderia revisar os cálculos nos próximos relatórios e, se precisar de ajuda, podemos agendar uma sessão de revisão juntos?”

- Realizar feedbacks em ambientes privados para garantir a confidencialidade e o conforto do colaborador. Criar um espaço onde os colaboradores se sintam seguros para expressar suas preocupações e perspectivas sem medo de represálias.

- Garantir que o feedback tenha como objetivo o crescimento e o desenvolvimento do colaborador, e não a desmoralização. Oferecer orientações específicas sobre como o colaborador pode melhorar e se desenvolver.

- Praticar a escuta ativa, demonstrando empatia e compreensão das perspectivas do colaborador. Manter um tom respeitoso e encorajador durante a conversa Fazer um acompanhamento após o feedback para avaliar o progresso do colaborador e oferecer suporte contínuo.

- Revisar e ajustar metas conforme necessário, assegurando que o colaborador esteja no caminho certo para o desenvolvimento.

- Investir na formação dos líderes em técnicas de feedback construtivo, comunicação não violenta e segurança psicológica para garantir que saibam como fornecer feedback eficaz e empático.

- Fomentar uma cultura organizacional que valorize a segurança psicológica, onde os colaboradores se sintam seguros para expressar suas ideias e preocupações sem medo de represálias ou humilhações.

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