Economia circular e sustentabilidade nas indústrias brasileiras

9/9/24
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Redação Start

Especialistas afirmam que práticas de sustentabilidade nas empresas ajudam a construir uma imagem positiva no mercado

Foto: Unsplash
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As indústrias brasileiras estão cada vez mais comprometidas com a adoção de práticas sustentáveis em suas cadeias produtivas. Essa mudança é impulsionada por diversos fatores, desde a otimização dos processos e o cumprimento de leis ambientais, evitando penalidades, até a preocupação genuína com um futuro mais sustentável. Essas práticas buscam proteger a fauna, a flora, os recursos hídricos, tanto superficiais quanto subterrâneos, o solo e a camada atmosférica, garantindo um ambiente mais saudável para as próximas gerações.

Para entender como essas estratégias estão sendo implementadas no dia a dia das indústrias, conversamos com representantes de algumas das maiores referências no tema no Brasil. A Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (FIERGS) compartilha como tem incentivado a economia circular entre suas associadas. Já a Ambev, gigante do setor de bebidas, revela suas iniciativas para reduzir o impacto ambiental em toda a sua cadeia produtiva. E a Trashin, startup especializada em gestão de resíduos, explica como tem ajudado empresas a adotar práticas mais sustentáveis e circulares, transformando o lixo em valor.

Em entrevista, o Fiergs demonstra que a entidade tem se preocupado em incentivar ações de sustentabilidade e economia circular entre os seus parceiros e associados, promovendo ações como o evento Circulando – na Rota da Economia Circular, que propõe a promoção de diálogos, debates e ações concretas que buscam trazer um olhar estratégico sobre os processos, desafios e oportunidades da economia circular. A entidade explica que no ano passado, o 3º Circulando – na Rota da Economia Circular, realizado pelo Conselho de Meio Ambiente da FIERGS (Codema) e Instituto Euvaldo Lodi (IEL-RS), com apoio do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai-RS), teve como objetivo central explorar e promover a Economia Circular. 

“Isso foi feito com uma abordagem estratégica para otimizar o uso de recursos naturais, minimizar desperdícios e criar modelos de negócios sustentáveis, compartilhando conhecimentos, debatendo soluções e fomentando parcerias entre os diversos setores. Os temas tratados nos eventos são desde Economia Circular como estratégia para os negócios; Inovação e Tecnologia Sustentável; Desenvolvimento de Negócios Circulares; Impacto Social e Ambiental; Norma ISO sobre Economia Circular e, por fim, Casos práticos de Economia Circular”, destaca a entidade.

Além do evento Circulando, a FIERGS participa da Rede de Economia Circular da Confederação Nacional da Indústria, desde sua criação em 2019. Desta forma, a instituição vem atuando em parceria com a CNI para colaborar com ações propostas em âmbito federal, tendo como principal objetivo ampliar o modelo de economia circular na indústria nacional.

Segundo a instituição, a economia circular representa um modelo que visa otimizar o uso dos recursos naturais, promovendo o desenvolvimento econômico sustentável. A circularidade dos negócios impulsiona uma produção mais eficiente, priorizando insumos recicláveis e renováveis, fomentando oportunidades de negócios e reduzindo a dependência de matéria-prima virgem.

A entidade explica que a implementação da economia circular reconfigura a forma como as organizações operam, além de proporcionar uma abordagem holística. Isso resulta em um desenvolvimento econômico mais equitativo, capaz de atender às necessidades presentes sem comprometer as futuras gerações, contribuindo assim para um futuro mais sustentável e resiliente. Por esse motivo, à medida que estes conceitos têm se difundido, uma ampla gama de novos empreendimentos surge, principalmente na cadeia de alimentos e agroindústria, metal mecânica, plásticos e eletrônicos.

“Podemos citar uma ação de economia circular desenvolvida pelo Instituto Senai de Tecnologia em Couro e Meio Ambiente e outros parceiros. O projeto desenvolvido transforma o caroço de pêssego em produtos inovadores e ainda protege o meio ambiente. A amêndoa presente no caroço, que normalmente é enterrado nos campos dos produtores, libera cianeto de hidrogênio, substância tóxica com alto poder de contaminação. A solução evita o descarte inadequado do material e cria três novos produtos: óleo de amêndoa de pêssego, carvão ativado e extrato pirolenhoso (usado no controle de pragas)”, comenta a instituição.

A instituição destaca ainda que a cidade de Pelotas, no Rio Grande do Sul, produz 99% do pêssego em conserva no Brasil e cada safra resulta em cerca de 4 milhões de quilos de caroço da fruta. Sendo assim, esta solução resulta na resolução de um grande problema ambiental e cria soluções inovadoras e sustentáveis. Entre os principais benefícios observados, a FIERGS destaca os cuidados com o meio ambiente e a inovação na indústria. 

Além disso, a FIERGS está presente em conselhos de meio ambiente a nível estadual e federal, por meio do Codema, nos quais representa a defesa de interesses da indústria em consonância com práticas sustentáveis e fomento à inovação e competitividade. Entre as ações desenvolvidas, a instituição, em colaboração com a CNI e demais federações, vem unindo esforços para aprimorar e aprovar a proposta de lei elaborada em tramitação no Legislativo Federal para a instituição da Política Nacional de Economia Circular, o PL 1874/22. A instituição destaca que o Projeto de lei consta na Agenda Legislativa da Indústria e está entre as prioridades para acompanhamento e apoio para sua aprovação.

Além disso, a instituição estimula a capacitação, ilustrando cases, discutindo possibilidades e avanços junto à indústria gaúcha. Por meio do Senai-RS, são abertos editais de inovação, fomenta, acompanha, pesquisa e auxilia em estratégias que fomentam as práticas de economia circular. Já o Codema tem promovido atividades como palestras e painéis de especialistas, que buscam compartilhar insights e perspectivas sobre economia circular e suas aplicações práticas, apresentação de iniciativas e projetos que exemplificam a economia circular em ação, espaço dedicado para interações informais, troca de contatos e oportunidades de colaboração entre os participantes, e a articulação com os poderes Legislativo e o Executivo para criação de normas que promovam a economia circular.

A Ambev, empresa brasileira fabricante de bebidas, também tem demonstrado um compromisso sólido com a sustentabilidade e a economia circular, integrando essas práticas em todos os aspectos de sua operação. Lisa Lieberbaum, diretora de sustentabilidade da Ambev, enfatiza que a adoção de práticas circulares não só reduz o impacto ambiental, mas também gera valor significativo para a sociedade e a economia. Segundo ela, a economia circular é essencial para garantir que nossos processos produtivos sejam cada vez mais eficientes e sustentáveis, criando um ciclo virtuoso que beneficia o meio ambiente e as comunidades onde atuamos.

Entre as principais iniciativas da Ambev, Lisa destaca o investimento em soluções sustentáveis e inovadoras que visam ampliar a vida útil das embalagens, aumentar sua retornabilidade e as taxas de conteúdo reciclado. Ela ressalta ainda o impacto positivo que esse trabalho tem na cadeia de reciclagem, ao gerar maior demanda por material reciclado, o que, por sua vez, fomenta a inclusão de cooperativas e catadores, atores fundamentais nesse ecossistema.

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"Adotar uma abordagem circular, como transformar uma garrafa PET descartada em uma nova embalagem, é fundamental para reduzir os impactos ambientais, eliminando o desperdício e diminuindo o uso de recursos naturais", compartilha Lisa. 

Com uma forte produção na indústria, a Ambev tem estado à frente quando se trata de reciclagem de vidro, por meio de uma das maiores recicladoras de cacos de vidro da América Latina, localizada no Rio de Janeiro, e está em fase de conclusão de uma nova fábrica em Carambeí, prevista para 2025. Lisa aponta que essas iniciativas não só contribuem para o processo de reciclagem do vidro, mas também reforçam o compromisso da Ambev com a reutilização na produção de novas garrafas. Segundo ela, a Ambev tem buscando maneiras de fechar o ciclo de vida dos produtos, e a reciclagem do vidro é um exemplo claro de como estamos atingindo esse objetivo.

Lisa destaca ainda o uso de energia 100% renovável nas operações da empresa, o que demonstra o compromisso com a sustentabilidade, por meio de mais de 15 plantas operando com energia total de fontes renováveis. Ela menciona também as unidades em Ribeirão Preto (SP) e Macacu (RJ), que têm utilizado biometano produzido em aterros sanitários como energia renovável. Ela explica que essas iniciativas, combinadas com a redução no consumo de vapor, permitiram diminuir o uso de óleo vegetal e reduzir significativamente as emissões residuais. Além disso, a Ambev reaproveita o biogás gerado em suas estações de tratamento de efluentes para gerar energia, promovendo uma abordagem mais sustentável e eficiente.

A colaboração com outras empresas e ONGs é outro pilar da estratégia de sustentabilidade da Ambev. Lisa conta que, há seis anos, a empresa uniu esforços com parceiros para otimizar e maximizar o programa Reciclar Pelo Brasil. A iniciativa foi conduzida em parceria com a Associação Nacional dos Catadores e Catadoras de Materiais Recicláveis (Ancat), com o objetivo de profissionalizar o trabalho das cooperativas, aumentar o volume de resíduos coletados e melhorar a renda média dos catadores. Ela conta que, desde 2018, o programa expandiu significativamente, passando de 160 cooperativas em 17 estados para 468 cooperativas em 25 estados e no Distrito Federal, apoiando mais de 5,2 mil catadores.

Lisa destaca ainda o projeto Bora Catadores, lançado durante as festas de São João em Patos, na Paraíba, que visa impactar 5 milhões de pessoas até 2032. Em parceria com a startup SOLOS e com o apoio das cooperativas locais, o projeto envolveu mais de 100 profissionais na coleta de materiais recicláveis, oferecendo uma Central de Reciclagem da Ambev para entrega, pesagem e pagamento imediato dos resíduos coletados. 

"Estamos criando um ciclo de inclusão e sustentabilidade, que gera benefícios tanto para o meio ambiente quanto para as pessoas envolvidas. Acreditamos que a economia circular é a chave para um desenvolvimento econômico que respeita os limites do planeta e promove um ciclo contínuo de regeneração e reutilização", conclui Lisa.

Práticas de economia circular na indústria

Para auxiliar as indústrias brasileiras na implementação de práticas de economia circular, a startup Trashin atua com uma consultoria 360, tendo como premissa o estímulo às práticas de economia circular, que reflete em todas as operações da empresa. Sérgio Finger, cofundador e CEO da empresa, explica que a sua principal contribuição às indústrias brasileiras é por meio da gestão eficiente de resíduos e da logística reversa, que permite o reaproveitamento de materiais dentro das cadeias produtivas. Entre as soluções oferecidas pela startup, Sérgio destaca a coleta e triagem dos resíduos até a reinserção desses materiais no ciclo produtivo, o que reduz a necessidade de extração de novos recursos e minimiza os impactos ambientais. 

“Trabalhamos lado a lado com nossos clientes para criar soluções customizadas, garantindo que os resíduos gerados sejam devidamente processados e transformados em novas matérias-primas ou produtos, ajudando a fechar o ciclo. Além disso, utilizamos tecnologia avançada para otimizar a coleta e o tratamento dos resíduos. Isso envolve a criação de processos de logística reversa personalizados, como fazemos com a Havaianas, onde desenvolvemos coletores específicos para a coleta de sandálias em diversos pontos do Brasil. A tecnologia e a rastreabilidade são fundamentais para garantir que o resíduo volte à cadeia produtiva, gerando valor econômico e ambiental”, comenta Sérgio.

Rafael Dutra, cofundador e COO da Trashin, explica que além da consultoria para que as empresas possam adequar seus processos internos à economia circular, a empresa realiza a capacitação das equipes, por meio de instrução aos colaboradores das empresas sobre a correta separação dos resíduos, algo essencial para que o material descartado possa ser reaproveitado de forma eficiente. Em muitos casos, ele destaca que a equipe estuda, desenvolve e opera soluções para resíduos complexos, como calçados, isopor, borracha, materiais de pontos de venda e resíduos da construção civil. A ideia é criar um ciclo de vida sustentável para os produtos, o que impacta positivamente tanto a operação quanto a imagem da empresa no mercado.

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“As indústrias enfrentam vários desafios ao adotar modelos de economia circular, e um dos maiores é a falta de infraestrutura adequada para o reaproveitamento de resíduos. Ainda há uma grande deficiência em termos de coleta seletiva e reciclagem em diversas regiões do Brasil, o que dificulta o processo. Além disso, a falta de conhecimento técnico dentro das empresas e o custo inicial para implementar esses modelos muitas vezes se tornam barreiras. Muitas indústrias não sabem por onde começar ou como adaptar seus processos para garantir que seus resíduos sejam reaproveitados”, conta Rafael.

Ele explica ainda que por meio desse processo de adaptação, a startup consegue oferecer soluções de gestão de resíduos e logística reversa. Desde a criação de coletores específicos até a análise dos dados de geração de resíduos, a Trashin garante que o cliente entenda onde pode melhorar e como pode reduzir o impacto ambiental. Também fornecem todo o suporte na implementação de tecnologias e processos que tornam o ciclo de vida do produto mais eficiente e sustentável.

Sérgio cita ainda a questão da legislação brasileira, que pode variar de uma região para outra. Segundo ele, isso cria uma complexidade adicional para empresas que operam em várias localidades. Por esse motivo, a Trashin traz soluções para que as indústrias possam se ajustar a essas diferentes normas, garantindo que estejam em conformidade com as regulamentações ambientais, independentemente de onde estejam operando. Além disso, Sérgio destaca que a Trashin promove soluções que visam melhorar a comunicação e o marketing das práticas de sustentabilidade das empresas, ajudando a construir uma imagem positiva no mercado e incentivando outras empresas a seguir o mesmo caminho.

“Um exemplo de sucesso é o projeto que desenvolvemos com a Havaianas. Atuamos no desenvolvimento e implantação do programa de logística reversa dos calçados da marca no Brasil, o Programa reCICLO. Criamos coletores específicos que foram instalados em diversos pontos de coleta, como lojas e condomínios, e estabelecemos parcerias com cooperativas de reciclagem para garantir que as sandálias descartados fossem processados e transformados em novos produtos. Isso envolveu desde o design dos coletores até o transporte e a transformação dos materiais recicláveis. O resultado foi impressionante. Conseguimos garantir que grande parte dos calçados descartados voltasse para a cadeia produtiva, gerando novos produtos e reduzindo significativamente o impacto ambiental do processo”, conta Sérgio.

Outro caso importante da Trashin é a atuação no programa Recicle com a Natura, criado para destinar corretamente as embalagens pós-consumo da marca. Rafael comenta que a ação contou com mais de 900 pontos de coleta nas lojas próprias e franquias da Natura, realizaram a coleta dos materiais e destinaram para cooperativas de reciclagem, devolvendo aquele material que seria descartado para a cadeia produtiva da indústria e direcionando o rejeito para o destino adequado, reduzindo drasticamente o impacto ambiental.

“Nós enxergamos uma tendência clara de crescimento das práticas sustentáveis nas indústrias brasileiras. Cada vez mais, as empresas estão percebendo a importância de alinhar suas operações às práticas de ESG, não apenas como uma exigência do mercado, mas como uma maneira de melhorar sua competitividade a longo prazo. Acredito que veremos um aumento significativo no uso de tecnologias voltadas para a sustentabilidade, como a rastreabilidade de resíduos, além de uma integração maior entre o setor público e privado para fortalecer a infraestrutura de reciclagem no país”, conclui Rafael.

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