Efeitos do El Niño: fenômeno natural causa desafios ambientais e econômicos para a população amazônica

23/10/23
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Publicado por 
Redação Start

Enquanto estados da região sul vem sofrendo com enchentes e tempestades severas, região norte enfrenta falta de chuvas

Fonte: Earth Observatory/ Nasa - Outubro de 2023
Fonte: Earth Observatory/ Nasa - Outubro de 2023

Nos últimos meses, o estado do Amazonas vem sofrendo as consequências do chamado ‘verão amazônico', que acontece entre os meses de julho e novembro. O fenômeno é algo característico da região, registrando altas temperaturas e poucas chuvas. Apesar de ser algo natural, o ano de 2023 ficará para a história como a maior seca já registrada nos últimos anos, o que reflete diretamente os impactos do aquecimento global no planeta.

Na região norte, o cenário é assustador para quem conhece a floresta amazônica como o pulmão do mundo, com milhares de hectares de floresta, e o Rio Amazonas como o maior rio do mundo, com cerca de 6992,06 quilômetros de extensão. Neste cenário de estiagem, o Rio Negro, maior afluente da margem esquerda do rio Amazonas, registrou nesta segunda-feira, dia 16, o menor nível em 121 anos, com uma vazante de 13,59 cm. Segundo dados do Porto de Manaus, esse é o menor registro desde 1902, quando as medições começaram a ser realizadas.

A situação atinge boa parte da cadeia produtiva que envolve a região, trazendo impactos negativos para a economia e população local. Como exemplo, a Samsung, que possui fábrica instalada na Zona Franca de Manaus, informou nesta quarta-feira, 18, que vai antecipar as férias coletivas de seus funcionários por causa da seca que atinge a região, que tem dificultado a chegada de insumos para produção.

Michelle Guimarães, Chief Governance Officer da startup Navegam, que atua no segmento de logística fluvial na região amazônica, acredita que esta caminha para ser a pior seca da história. Além disso, ela afirma que o sentimento é ainda mais assustador ao ver a grande quantidade de braços de rios que deixaram de existir, virando um caminho de lama. 

“Este é o maior desafio para nós ao tentarmos entregar nossas cargas. Temos observado de perto os impactos da logística nas regiões afetadas. Sim, os produtos comercializados pelos rios enfrentaram um aumento nos preços devido às dificuldades de locomoção. Essa é uma consequência natural quando os custos operacionais crescem. Entretanto, na Navegam, estamos nos esforçando para minimizar esse impacto aos consumidores finais, por exemplo, trocamos parceiros que utilizam navio-motor pelos ferry boats, pois estes são mais ágeis na navegação”, comenta Michelle.
“Nós investimos em treinamento e tecnologias que ajudam nossos parceiros das comunidades da região, como os canoeiros e os entregadores, que compõem uma rede de quase 200 pessoas, a trabalhar de maneira mais segura durante a vazante. Assim, adaptamos as rotas e temos buscado técnicas mais tradicionais, do conhecimento deles, para garantir a eficiência de transporte mesmo em condições adversas, com isso, estamos garantindo o abastecimento de nossos clientes”, esclarece Michelle.

Uma matéria publicada pela Folha de São Paulo afirma que a seca histórica pode afetar as compras de fim de ano e, para Michelle, considerando a importância do transporte fluvial para a economia da Amazônia, a seca pode trazer impactos negativos para esse período. Isso porque o transporte de produtos se torna mais complexo, podendo impactar prazos e custos. Ela aponta que economicamente é perceptível que algumas empresas e parceiros da Navegam estão enfrentando desafios com a seca, pois houve um aumento de cerca de 40% nos fretes. 

“As operações tornam-se mais lentas, e há uma necessidade maior de recursos para manter tudo funcionando. Por outro lado, temos visto também uma resiliência incrível da comunidade amazônica, que sempre encontram formas criativas de se adaptar e seguir em frente. Na Navegam, estamos comprometidos em apoiar essa resiliência e garantir que a economia local continue florescendo, mesmo diante das adversidades”, conclui Michelle.

Segundo Márcio Paixão Ribeiro, economista e vice-presidente do Corecon/Am, dos 62 municípios do Estado do Amazonas, 60 deles foram afetados pela seca, 50 municípios estão em situação de emergência, 10 cidades em alerta e dois em normalidade. Ele afirma ainda que cerca de 138 mil famílias, ou 557 mil pessoas, são afetadas pela estiagem. Portanto, praticamente todo o Estado sofre impacto da estiagem, seja direta ou indiretamente. Essa situação impacta na economia local desses municípios, principalmente pelo isolamento geográfico, que impede a navegação de barcos, restringindo o transporte de cargas e passageiros, bem como agride áreas cultivadas e culturas do setor primário, gerando quebra de safra e prejuízos dos mais diversos aos produtores.

Ele ressalta que a estiagem severa pode provocar principalmente: redução na atividade econômica de uma forma geral, desabastecimento de produtos e serviços, pressão inflacionária reflexo do aumento de preços em função da escassez, descontinuidade do círculo virtuoso da economia, desemprego e queda na arrecadação do Estado e dos municípios. O economista acrescenta ainda que a maioria dos municípios do Estado do Amazonas é abastecida por via fluvial, os rios são as nossas estradas e, com o agravamento da estiagem, as embarcações que abastecem o comércio local já não chegam mais aos municípios, causando um estrangulamento na logística da região.

“Isso impede o escoamento da produção e compromete o transporte de pessoas e cargas. Há afluentes do Rio Solimões, Rio Madeira e Rio Amazonas que baixaram tanto que as embarcações de carga não têm condições de navegabilidade. Em alguns casos, a solução é recorrer às embarcações de menor porte, como por exemplo a chamada “bajara”, para levar alguns produtos que cabem nesse formato, o que acaba encarecendo o valor no mercado. Sob o ponto de vista econômico, os preços dos produtos podem sim sofrer aumento generalizado em função de sua escassez”, comenta Márcio.

No último dia 02 de outubro, para minimizar os impactos da seca para as comunidades que vivem às margens dos rios, o Idesam criou uma mobilização de parceiros da sociedade civil, da iniciativa privada e em articulação direta com lideranças de organizações comunitárias e ribeirinhas para levar ajuda emergencial de mantimentos, kit de higiene e água potável neste primeiro momento. O projeto Regatão do Bem iniciou ainda na pandemia de Covid-19, com o intuito de levar mantimentos e kits médicos às comunidades que estavam isoladas. Segundo Paola Bleicker, diretora executiva do Idesam, foram meses duros e de muita resiliência, devido às restrições comerciais e de locomoção.

A partir da expertise adquirida ao longo do tempo, Paola afirma que a equipe do Idesam resolveu reativar uma nova mobilização para ajudar neste período de estiagem, agravado pelas mudanças climáticas. Ela explica que, neste momento, o projeto passa por uma fase de captação de recursos e mapeamento dos territórios mais afetados, reativando alianças entre diversos setores e entendendo a situação logística e suas alternativas, uma vez que os rios, principal meio de locomoção no estado, encontram-se quase que totalmente secos. 

“Os impactos serão enormes, tendo em vista que a grande maioria dos insumos ou chegam ou são escoados, via fluvial. Será uma ação cíclica – o baixo nível dos rios dificultará o transporte, fazendo com que o frete fique muito mais caro (ou, em localidades extremas, inviáveis). As grandes embarcações estão operando com metade da capacidade prevista – só para se ter uma ideia, a Zona Franca de Manaus é responsável por 100% da produção nacional de ar-condicionado, televisores, lavadoras e, segundo a Associação Nacional de Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos (Eletros), os fretes já subiram cerca de 40% a 50% neste ano por causa da seca”, explica Paola. 

Márcio aponta ainda que essa menor oferta de produtos pressiona os preços para cima, encarecendo os valores pelo conceito da teoria econômica consagrada da Lei da Oferta e Demanda. Basicamente, aponta que quando a procura por um produto é alta e a oferta é baixa, os preços tendem a subir. Ele comenta ainda que a probabilidade da estiagem afetar as compras de final de ano depende diretamente de até quando vai durar esta estiagem. Em função da restrição de navegabilidade, o Polo Industrial de Manaus – PIM poderá ser impactado com a ausência de componentes e insumos que são importados para fabricação local.

“Estima-se que aproximadamente 20% da força de trabalho direta das empresas do PIM acenam com a possibilidade de dar férias coletivas fruto da ausência de insumos para a produção industrial. Portanto, a seca deve impactar a atividade econômica nacional e pode contribuir para uma pressão inflacionária na economia do país“, conclui Márcio.

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