Impacto da alta do dólar comercial no Brasil: mercado reage a fatores internos e externos

3/7/24
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Publicado por 
Redação Start

Aumento do dólar para R$5,70 no primeiro semestre de 2024 gera preocupações

Foto: Unsplash
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Na última terça-feira, 02, o dólar comercial fechou o primeiro semestre de 2024 em alta, sendo comercializado a R$5,70. A moeda norte-americana apresenta o seu maior valor desde do dia 10 de janeiro de 2022, quando fechou em R$5,67. A alta do dólar é resultado de uma série de fatores internos e externos, com consequências para o mercado em geral. 

Em busca de entender qual a motivação da desvalorização do real diante do dólar, a equipe da redação Start conversou com especialistas em economia e investimentos. Presley Vasconcellos, economista e mestre em Economia, compartilha que a desvalorização do real em relação ao dólar é resultado principalmente dos altos níveis de inflação, taxas de juros mais baixas em comparação com os Estados Unidos, grandes déficits fiscais, instabilidade política e déficits na balança comercial, que contribuem para a perda de valor da moeda brasileira.

Além disso, ele expõe que as políticas cambiais do Banco Central, como intervenções no mercado de câmbio, também têm um impacto significativo. Como fator externo, Presley aponta que os aumentos nas taxas de juros nos EUA, desaceleração econômica global, quedas nos preços das commodities exportadas pelo Brasil, movimentos globais de capitais e a percepção de risco em relação ao Brasil afetam negativamente o valor do real. A interação desses fatores resulta na desvalorização da moeda brasileira frente ao dólar. Ele explica que os investidores tendem a procurar economias consolidadas com taxa de juros mais altas e, desta forma, que remuneram mais.

“Quando o FED estipula uma taxa alta, como atualmente, há uma retirada de capitais dos países em que esses investidores possuem dinheiro, aumentando a oferta de reais no mercado e reduzindo seu valor em relação ao dólar. Esse escoamento enfraquece a quantidade de dólar nessas economias que, por sua vez, acabam ficando com suas moedas domésticas desvalorizadas. Quando há instabilidade política, como crises de governo, escândalos de corrupção ou incertezas sobre políticas econômicas futuras, a confiança dos investidores diminui, o que pode resultar em movimentos onde investidores retiram seu dinheiro do país em busca de mercados mais seguros", explica.
“Se o Brasil importa mais do que exporta, temos uma quantidade de dólar saindo maior do que entrando. Neste caso, há uma valorização do dólar frente ao real. Quando temos um número maior de exportação, temos mais dólar entrando na economia e assim aumentamos o estoque dessa moeda, valorizando o câmbio doméstico. Da mesma forma que a balança comercial, as commodities impactam por meio das relações comerciais e investimentos feitos no Brasil. Quando há um aumento, gera uma valorização do real frente ao dólar.  Quando os preços das commodities aumentam, as receitas das exportações aumentam, melhorando a balança comercial e potencialmente valorizando o real. Quando os preços das commodities caem, as receitas das exportações diminuem, piorando a balança comercial e potencialmente desvalorizando o real”, comenta Presley.

Ana Paula Bernar, Wealth Management no Clube do Valor, afirma que nesse último ano o dólar rendeu cerca de 15% e historicamente é reconhecido por ser uma moeda de segurança do mundo inteiro, sendo assim países emergentes como Brasil geralmente sofrem com grandes oscilações em sua própria moeda, principalmente quando o pessimismo impera em nosso mercado. Segundo ela, é fato que o dólar se torna uma excelente opção nesse caso, porém não a única, pois se compararmos o dólar ou até mesmo o dólar+5% com outros ativos, como IPCA+5% e Ibovespa por exemplo, em uma janela de 20 anos quem optou por dólar nesse caso não obteve o melhor resultado.

Ela afirma que comprar dólar apenas por especulação, não é uma boa alternativa. Porém, investir em dólar junto a um ativo para longo prazo, faz muito mais sentido.

“Como sempre digo, o investidor muitas vezes tem memória curta e sofre do viés da disponibilidade, ou seja, pega a informação de que o dólar está subindo e a nossa moeda está fraca, e logo concluí: "Vou colocar tudo em dólar”, e não é bem assim”, comenta Ana.

Além disso, Ana Paula aponta que diversificar investimentos em moedas fortes, como o dólar, em um cenário de incerteza econômica no Brasil é de extrema importância, não apenas nesse cenário, mas como em qualquer cenário, pois o mercado é feito de ciclos. Segundo ela, a chave é a diversificação do portfólio de investimentos.

"Vamos ter ciclos bons e ruins aqui no Brasil, ruídos que muitas vezes se concretizam e outros não, assim como lá fora, inclusive não podemos esquecer que um ano atrás se falava em forte risco de recessão nos EUA, o que acabou não acontecendo, e o mercado começou a reagir bem novamente", pontua.
“A desvalorização do real ultimamente tem acontecido por reflexo de uma visão negativa do investidor estrangeiro com o nosso mercado. Para conter a alta do dólar e a fuga do capital externo do país, o Banco Central tende a aumentar a taxa de juros, isso ajuda a vermos as expectativas do DI lá na frente cada vez mais altas, o que acaba mantendo em alta as taxas das emissões bancárias e de crédito privado no país. Apenas um ponto importante que o investidor deve estar atento também é que dólar em alta aumenta a inflação, o que pode diminuir o juro real do investimento. Quanto ao reflexo em renda variável, sabemos que hoje o investidor estrangeiro corresponde a mais de 50% da nossa bolsa, e a retirada desses recursos acaba tendo um grande impacto na queda do Ibovespa, reforçando assim o humor pessimista do mercado”, acrescenta Ana.

Para estabilizar e fortalecer o real, Presley afirma que o Brasil poderia controlar a inflação e ajustar as taxas de juros para atrair investimentos. Além disso, é necessário haver políticas fiscais responsáveis e diversificação econômica, criar um ambiente favorável ao investimento estrangeiro e garantir estabilidade política para aumentar a confiança dos investidores. Outro fator que poderia ter uma atenção maior seria melhorar a balança comercial por meio de acordos comerciais e incentivos às exportações, manter reservas internacionais robustas e investimentos em infraestrutura e educação para um crescimento econômico sustentável.

Países vizinhos: uso do dólar e desvalorização do peso 

Para os países vizinhos, a alta do dólar pode ser ainda mais prejudicial, como a Argentina que vem sofrendo os impactos massivos de discursos do novo presidente Javier Milei. Enquanto no Brasil o dólar chegou a R$5,58, o preço do dólar paralelo na Argentina chegou a 40 pesos no primeiro dia do mês de julho, mesmo após o Congresso ter aprovado medidas econômicas consideradas positivas pelo Governo do país.

Segundo uma matéria divulgada pelo Valor Econômico, as medidas aprovadas têm o objetivo de desburocratizar a economia, em busca de fortalecimento da economia argentina. Mesmo diante dos motivos políticos, a matéria afirma ainda que a alta teve consequências também devido à queda na taxa de juros e o desgaste para aprovar projetos do presidente. Atualmente, a matéria mostra que o dólar passa a ser vendido por uma média de 932 pesos.

Presley afirma que, para quem visita áreas turísticas de países que utilizam peso, como Uruguai e Argentina, usar o dólar seria uma maneira mais estável, reconhecida e aceita internacionalmente. Por esse motivo, é comum encontrar estabelecimentos que aceitam dólares ou onde é possível fazer câmbio de dólares com facilidade. Isso torna o dólar uma escolha prática para brasileiros que visitam o país. Além disso, Presley destaca que, com a desvalorização, países próximos acabam sofrendo algumas consequências, como um encarecimento de matéria-prima importada, o que contribui para inflação, aumentando os custos de vida e reduzindo o poder de compra dos argentinos.

“Aumenta também o custo da dívida externa do país, já que mais pesos são necessários para pagar dívidas em moeda estrangeira. A instabilidade cambial afeta ainda negativamente os investimentos e o crescimento econômico, potencialmente aumentando os níveis de pobreza e desigualdade social. Pode impactar o comércio bilateral, reduzindo a capacidade de consumo dos argentinos de produtos estrangeiros. Isso pode afetar as exportações brasileiras para a Argentina e prejudicar a integração econômica regional, tendo em vista que a Argentina é grande compradora de diversos produtos brasileiros”, conclui Presley.

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