Impacto das enchentes no agronegócio: uma análise abrangente
Especialistas que atuam diretamente com o agronegócio no Brasil, de instituições públicas e privadas, dão as suas perspectivas dos próximos passos do setor

As recentes enchentes no Rio Grande do Sul têm causado um impacto devastador no agronegócio brasileiro, cujas consequências vão além das fronteiras estaduais, afetando a economia nacional e a cadeia de suprimentos agrícola. As inundações resultaram em perdas substanciais na infraestrutura e na produção agrícola, prejudicando não apenas os produtores locais, mas também influenciando mercados em outras regiões do país. A escassez de produtos agrícolas essenciais e a demanda crescente por produtos em outros estados produtores levantam sérias preocupações sobre a estabilidade e a resiliência do setor agrícola no Brasil.
Para entender melhor as implicações dessas enchentes e suas ramificações para o agronegócio brasileiro, entrevistamos especialistas no tema, Régis Santiago de Carvalho, advogado especializado em crédito rural, Valmor Boelhouwer, coordenador do projeto SuperAção Agro Rio Grande do Sul, Clair Kuhn, Secretário da Agricultura, Pecuária, Produção Sustentável e Irrigação, e Manoel Junior Victorette, produtor rural no Mato Grosso do Sul. Suas perspectivas ajudam a esclarecer as reais implicações das enchentes e as possíveis soluções para minimizar os impactos.

Régis Santiago de Carvalho destaca que as enchentes provocaram frustração das safras e dificuldades no escoamento da produção devido à destruição de estradas e pontes.
"As perdas agrícolas são estimadas em R$ 3,1 bilhões, afetando gravemente culturas como arroz, soja e trigo”, afirma Regis.
"Muitos agricultores enfrentaram a destruição completa de maquinários e infraestrutura, o que agravou ainda mais os prejuízos financeiros”, comenta.
Em relação ao crédito rural, ele aponta que o alongamento das dívidas pode ser uma solução crucial para a recuperação. Ele explica que o Superior Tribunal de Justiça determinou que os bancos devem conceder o alongamento das dívidas com as mesmas taxas de juros previamente ajustadas, e os produtores têm o direito de recorrer ao poder judiciário caso o pedido seja negado. Régis ressalta que:
"o crédito rural é essencial para o crescimento da atividade agrícola e pecuária, financiando despesas e melhorando a infraestrutura das propriedades”, diz Régis.
Apesar dos riscos, ele observa que as instituições financeiras tendem a não criar grandes obstáculos para a concessão deste crédito. Régis também menciona que houve um aumento da demanda por produtos agrícolas devido ao déficit produtivo do Rio Grande do Sul.
"O mercado agropecuário conseguiu absorver bem o impacto, embora alguns produtos tenham apresentado aumento de preços, possivelmente devido à especulação", acrescenta.
Respostas e medidas de apoio
Valmor Boelhouwer, coordenador do projeto SuperAção Agro Rio Grande do Sul, confirma que as enchentes causaram grandes perdas para os produtores.
"Muitos perderam moradias, lavouras, animais e infraestruturas, incluindo estradas, galpões e armazéns”, afirma Valmor. Ele detalha que a produção de grãos, especialmente soja e milho, foi severamente comprometida. "A maior perda ocorreu na produção de soja, com uma estimativa de 2,71 milhões de toneladas a menos do que o previsto inicialmente", relata Valmor.

Para ajudar os agricultores afetados, a CNA lançou o projeto SuperAção, que inclui a entrega de lotes de alimentação para animais, equipamentos de limpeza e análises de solo, além de suporte à saúde por meio do programa Telessaúde.
"O presidente João Martins mobilizou todo o Sistema CNA/Senar em uma ampla frente de trabalho para reconstruir e recuperar a agropecuária no Rio Grande do Sul”, conta Valmor.
Ele também destaca as dificuldades na cadeia de suprimentos e nas infraestruturas de transporte.
"As dificuldades de suprimento foram vivenciadas durante os momentos de alagamento intenso e de ruptura de infraestruturas de transporte”, menciona.
Embora o deslocamento no estado ainda esteja comprometido, ele observa que os problemas mais graves foram solucionados com rotas alternativas.
Para auxiliar na recuperação, a Frente Parlamentar da Agropecuária está desenvolvendo projetos de lei que incluem a renegociação e prorrogação de operações de crédito, novas linhas com prazos longos e taxas reduzidas, além da redução de burocracias.
Ele ressalta que a intensificação de ações estruturantes de longo prazo, como a reformulação do 'Fundo Catástrofe', é fundamental. Segundo ele, esse fundo opera em situações catastróficas e atividades de alto risco, fornecendo suporte necessário mesmo em condições adversas. Valmor também ressalta a importância do fortalecimento do Seguro Rural como uma política de estado.
"No anúncio do Plano Safra, tivemos um direcionamento extra de R$ 210 milhões ao Seguro Rural”, menciona. Apesar do aumento de recursos, ele aponta que outras estruturas, como o Proagro, foram afetadas, dificultando o acesso à gestão de riscos. "É estimado que as perdas ultrapassem os R$ 35 bilhões, com a previsão de retorno à normalidade só após uma década de intensos trabalhos e aplicação robusta de recursos por parte do Governo Federal”, conclui.
Desafios e Perspectivas Futuras
Manoel Junior Victorette, produtor rural no Mato Grosso do Sul, destaca a importância do Rio Grande do Sul para o abastecimento nacional.
"Cerca de 4% da produção nacional de soja está comprometida, e a produção de leite e pecuária de corte também sofreram devido ao alagamento das pastagens", afirma Manoel.
Ele ressalta que a destruição das rodovias tornou o escoamento da safra um grande desafio, afetando a distribuição e os preços desses produtos no mercado. "O aumento dos preços e a disponibilidade de determinadas marcas, especialmente de arroz, já podem ser notados pelo consumidor final”, acrescenta.

Ele também menciona que a venda de maquinários agrícolas deve cair 18% devido às chuvas no estado. Embora não tenha sentido um impacto direto em sua atividade principal, a pecuária, ele observa que o Governo Federal anunciou a importação de arroz para evitar a especulação de preços, mesmo diante de críticas do setor ruralista.
"Como consumidor, pude notar um aumento de preços, com destaque especial para o arroz, mas penso que isso é fruto da ganância de alguns especuladores”, comenta.
Sobre o futuro do agronegócio diante das mudanças climáticas, ele destaca a necessidade de equilíbrio ambiental.
"Não há produção sem um meio ambiente equilibrado. Os produtores rurais devem se preocupar mais com a contaminação da água e o aumento das queimadas, que contribuem para o aquecimento global e mudanças climáticas”, observa. Ele enfatiza que "o agronegócio depende da preservação ambiental e que todos devem contribuir para boas práticas ambientais”, afirma.
Ação governamental e medidas de recuperação
Clair Kuhn, Secretário da Agricultura, Pecuária, Produção Sustentável e Irrigação, detalha os impactos das enchentes e as respostas do governo. "Mais de 206 mil propriedades foram impactadas, com perdas significativas na produção e na infraestrutura”, afirma Clair. Ele destaca que o Relatório de Perdas divulgado pela Emater/RS-Ascar aponta que
"19.190 famílias enfrentaram danos nas estruturas de suas propriedades, como casas e galpões”, além de prejuízos para cerca de 200 empreendimentos familiares.
Sobre as culturas agrícolas, Kuhn ressalta que "a maior perda ocorreu na produção de soja, com 2,71 milhões de toneladas perdidas”. Ele acrescenta que o volume da produção de soja foi revisado para 19,53 milhões de toneladas, com uma produtividade média de 2.923 quilogramas por hectare. A horticultura e a fruticultura também foram afetadas, especialmente em regiões chave como o Vale do Taquari e a Serra.

Em relação às medidas de apoio, o secretário compartilha que:
"a Secretaria da Agricultura publicou normativas permitindo a coleta de leite e a comercialização de produtos de origem animal sem a necessidade de registro específico”, em alinhamento com as diretrizes do Ministério da Agricultura e Pecuária.
Foram destinados até R$ 500 mil em horas-máquinas para ajudar na desobstrução de estradas e na distribuição de alimentos para animais.
"O RS tem recebido ajuda de várias áreas e locais, com uma onda de solidariedade que inclui entidades e instituições trabalhando para reerguer o agro gaúcho”, conclui Clair.
Em resumo, as enchentes no Rio Grande do Sul destacam a necessidade de políticas públicas robustas e de um planejamento estratégico para mitigar os impactos de desastres naturais no agronegócio. A combinação de medidas de apoio imediato, como a concessão de crédito rural e ajuda humanitária, com estratégias de longo prazo, como o fortalecimento de fundos de catástrofe e a promoção de boas práticas ambientais, será crucial para garantir a recuperação e a resiliência do setor. A colaboração entre governo, instituições e produtores é essencial para superar os desafios e assegurar a estabilidade do agronegócio no Brasil.