Infância e tecnologia: entenda os impactos da tecnologia no desenvolvimento da geração Z e Alpha

29/2/24
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Redação Start

Especialistas compartilham como a tecnologia pode transformar a maneira como as pessoas se relacionarão no futuro

Foto: Unsplash
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O uso da tecnologia no dia a dia da população tem sido cada vez mais frequente nos últimos anos. Um reflexo disso é que, de 2016 para 2022, o percentual da população que usou a internet subiu de 66,1% para 87,2%. Segundo o IBGE, os domicílios com utilização de internet passaram de 90% em 2021 para 91,5% em 2022. 

Com as pessoas cada vez mais conectadas e as ferramentas tecnológicas presentes em boa parte do dia a dia da população, as relações humanas estão se transformando e impactando a maneira como interagimos com as tarefas diárias. Como consequência, isso acaba atingindo as relações entre adultos e crianças, ou crianças e telas. Um estudo feito em 2018 pela TIC Kids Online Brasil mostra que cerca de 69% das crianças e adolescentes brasileiros, que têm entre nove e 17 anos com acesso à internet, a utilizam mais de uma vez por dia. 

Entre elas, cerca de 10% afirmam que o primeiro contato com a rede se deu ainda com seis anos de idade ou menos. Em um comparativo entre as gerações que passaram com idade consciente entre os anos 90 e início dos anos 2000, essa realidade era muito inferior ao que vemos atualmente. Se formos comparar com o período anterior aos anos 90, tudo se torna ainda mais distante para as crianças e jovens da época.

Em perspectivas claras, é possível notar por meio de diversos discursos de especialistas e pesquisas de fontes confiáveis, que a tecnologia terá um impacto muito além do que podemos imaginar, transformando a maneira como a sociedade age no dia a dia, no trabalho, na escola, e até mesmo interage socialmente.

Dado Schneider, professor e pesquisador de Geração Z, colaboração intergeracional e futuro do trabalho, compartilha que a geração mais nova vem sendo influenciada desde o momento em que os pais passaram a empurrar os carrinhos de bebê interagindo com os seus smartphones, e deixando de lado a interação pessoal com as crianças. 

Segundo ele, as crianças que foram educadas sem smartphone, que atualmente são os jovens e adultos de hoje, são diferentes dos mais jovens, que foram educados com um smartphone ao lado. Ele explica que a geração Alpha, agora que sucede a Geração Z, é a primeira que está sendo educada integralmente com a tecnologia nas mãos. 

Foto: Divulgação - Dado Schneider
“Creio que a principal diferença dessa geração é que ela surgiu junto com a inteligência artificial. Não sabem ainda caminhar ou falar, mas já desbloqueiam a senha do celular dos pais com seu dedinho e vão procurar o que querem intuitivamente e assistir seus desenhos. O que mais me assusta é que eu participei de uma exposição de desenhos de crianças em 2021, onde foi pedido para muitas crianças desenharem aquele desenho primário, desenhar a família. Os palitinhos com a bolinha que representa o rosto e as crianças começaram a se desenhar, desenhar os irmãos e o pet, mas a diferença é que os pais, no lugar onde havia a bolinha correspondente ao rosto, havia uma caixa preta tapando os olhos, que é o celular”, comenta Dado.

Bruna Tatsch, psicóloga infantojuvenil, compartilha que ao avaliar o futuro da geração Alpha, que nasceu em um ambiente hiperconectado, é possível observar alguns aspectos, como os impactos da exposição precoce à tecnologia, que atinge o desenvolvimento cognitivo, emocional e social dessas crianças. Por um lado, ela aponta que a familiaridade com a tecnologia pode estimular habilidades digitais e criatividade. Por outro, a exposição excessiva a telas pode influenciar negativamente o desenvolvimento de habilidades sociais, capacidade de concentração e auto-regulação emocional.

Ela acrescenta que a hiperconectividade presente na geração Alpha traz consigo tanto benefícios quanto malefícios. Entre os benefícios, ela destaca o acesso rápido à informação, o desenvolvimento de habilidades digitais desde cedo, a possibilidade de conexão com pessoas de diferentes partes do mundo e o estímulo à criatividade por meio de ferramentas digitais. No entanto, existem os efeitos negativos trazidos pela hiperconectividade, como o aumento do sedentarismo devido ao tempo prolongado em frente às telas, exposição a conteúdos inadequados para a idade, o risco de cyberbullying e a dificuldade em estabelecer e manter relacionamentos interpessoais significativos.

Por esse motivo, ela destaca que é importante que os pais, profissionais da área da saúde e educação estejam atentos a esses aspectos e busquem estratégias para promover um uso saudável e equilibrado da tecnologia, além de estimular o desenvolvimento de habilidades sociais e emocionais essenciais para o bem-estar da geração Alpha.

Foto: Divulgação - Bruna Tatsch
“A geração Alpha, por ter nascido em um ambiente hiperconectado e em constante evolução tecnológica, pode trazer diversas mudanças para o futuro da sociedade, o que pode influenciar a forma como trabalham, se comunicam, aprendem e interagem com o mundo ao seu redor. Isso inclui a influência sobre avanços significativos em tecnologia, inovação, comunicação e educação, além de contribuir com questões voltadas para a diversidade cultural, questões sociais e globais. É importante considerar como essas mudanças podem impactar o desenvolvimento e as necessidades emocionais e sociais da geração Alpha, buscando compreender e preparar-se para as demandas que surgirão em decorrência desse contexto específico”, comenta Bruna.

Dado Schneider ressalta ainda que a forma como a infância vem sendo levada atualmente, em conexão com ferramentas tecnológicas, possivelmente fará com que o futuro acadêmico sofra alguns impactos e transformações. Segundo ele, a academia não evolui na mesma velocidade que as empresas têm evoluído. Com relação à aderência da inteligência artificial, Dado destaca que a geração Alpha será verdadeiramente a geração que terá mais naturalidade ao lidar com esse tipo de ferramenta.

“Creio que o maior desafio será na área da educação, porque eles já são de uma nova era e a educação como todo, o setor da educação, ainda vive na era passada. Não é uma crítica, é uma constatação. Os formatos de aula e formatos de exposição de classes na sala que funcionaram muito bem para a nossa era, que estava mais ligada ao século passado, já seguramente não funciona mais na era que vivemos", pontua Dado.

Nesse contexto, o estado do Rio de Janeiro causou uma certa polêmica nas últimas semanas, ao impedir o uso de celulares dentro do ambiente escolar. O decreto que restringe o uso de celulares nas escolas da rede municipal impõe que os dispositivos só poderão ser usados antes da primeira aula e após a última, à exceção de casos especiais. O decreto já entrou em vigor, mas seus efeitos passam a valer após 30 dias, segundo uma matéria publicada pelo G1.

Sobre a decisão, Dado afirma que, em essência, a ideia é boa e necessária, mas é importante pensar antes em o que se pretende fazer e não como se está pensando em fazer. Como ele costuma analisar, os jovens de hoje possuem um outro tipo de educação, a educação horizontalizada e, a partir disso, a proibição não é algo visto como aceitável por essa geração. Por esse motivo, ele destaca que seria importante pensar em uma estratégia mais amigável aos olhos dos mais jovens.

”Tenho sérias dúvidas da eficácia disso, mas, no fundo, a ideia é boa. Quanto menos tela e mais a criança brincar, mais se cria essa conexão, quanto mais a criança for criança, melhor será”, ressalta.

Bruna afirma que essa decisão de proibir o uso de celulares nas escolas municipais do Estado do Rio de Janeiro levanta questões interessantes, como a distração em sala de aula, cyberbullying e acesso a conteúdos inadequados. Segundo ela, limitar o uso dos dispositivos pode contribuir para um ambiente escolar mais focado e seguro. Por outro lado, a tecnologia faz parte da realidade atual e futura das crianças, e aprender a usá-la de forma saudável e produtiva é uma habilidade importante.

“A abordagem ideal pode ser encontrar um equilíbrio entre o uso responsável da tecnologia e a necessidade de concentração e interação social na escola”, esclarece.

Fernanda Furia, fundadora do Playground da Inovação, consultoria de inovação em psicologia e educação, afirma que no caso da proibição do uso dos celulares nas escolas, várias pessoas são a favor e outras contra. Ela explica que o problema não é o celular, mas um modelo educacional pouco alinhado com o mundo atual e nada atraente para as novas gerações. Junto com isso, tem o fato de tecnologias ainda mais potentes surgirem a todo o momento. Sendo assim, assim como Dado, ela afirma ser importante mais do que nunca questionar sobre a proibição de qualquer tecnologia que distraia os alunos e como será a formação de novas gerações inibindo o contato delas com as novas tecnologias na escola.

Além disso, ela ressalta que é importante rever as estratégias das famílias para lidar com o uso do celular e que, acima de tudo, os adultos tenham comportamentos digitais saudáveis para as crianças se inspirarem.

Foto: Divulgação - Fernanda Furia
“Infelizmente, as tecnologias digitais são desenvolvidas sem o conhecimento sobre desenvolvimento infantil e, mais ainda, com a intenção de deixar as crianças altamente engajadas e viciadas nelas. O cérebro infantil não está formado por completo para que haja um controle dos impulsos e discernimento suficiente para navegar no cenário tecnológico. Além disso, ninguém foi ensinado a usar essas novas tecnologias de forma saudável, consciente e respeitosa”, comenta.

Fernanda acrescenta que é importante ter clareza de que o desenvolvimento saudável das crianças e adolescentes acontece a partir de uma gama de experiências e estímulos a partir do contato com adultos e outras crianças, além da vivência com os ambientes físicos, com as tecnologias e com a natureza. Obviamente que diante de diversos estímulos e transformações tecnológicas, o comportamento e a visão de mundo das crianças seriam completamente diferentes das gerações anteriores.

Segundo ela, tudo isso vem sendo explicitamente mostrado a todo o momento através das redes sociais e dos veículos da mídia e, a consequência disso, é que os adultos vêm se mostrando confusos, perdidos e assustados. Ela explica que quando lidamos com crianças e adolescentes precisamos necessariamente olhar para os seus cuidadores. Não existe infância sem a presença dos adultos, então, é nessa parceria que deve residir o foco da nossa atenção.

“O futuro da geração Alpha e da geração Beta - que começará a nascer em 2025, depende não somente do olhar e das ações para a infância, mas também do que estamos fazendo hoje para apoiar os adultos que cuidam dessas crianças. Uma abordagem que é bastante útil e sensata é enxergarmos o futuro como algo que pode ser construído por nós, não como um destino imutável que deve ser passivamente aceito. A partir daí, toda a sociedade pode se envolver em iniciativas que ajudem tanto os adultos quanto as novas gerações a ficarem emocionalmente saudáveis e a se capacitarem para lidar com todas essas mudanças”, comenta Fernanda.

Em complemento, Fernanda aponta que a sociedade verá cada vez mais a construção de uma relação psicológica das pessoas com relação às máquinas e cita trabalhos desenvolvidos por Sherry Turkle, psicóloga clínica e cientista social do MIT (Massachusetts Institute of technology), que mostram como a sociedade deposita nas tecnologias atributos humanos e com isso se relacionam com elas de forma complexa e emocional. 

“As crianças estão lidando com dispositivos que incitam esse tipo de relação afetiva com máquinas que têm um visual fofo e oferecem diálogos que prometem um "pseudo-relacionamento". Nesse cenário desafiador, vejo que alguns pilares urgentes devem ser oferecidos para as novas gerações, como: Educação Digital; Educação Sexual; Inteligência Emocional-Digital; Educação Financeira e Sustentabilidade. Tanto as escolas como as famílias têm a responsabilidade de, juntas, integrar esses pilares. Se conseguirmos ter sucesso nisso acredito que as novas gerações poderão construir caminhos potentes para desenvolvermos tecnologias, para produzirmos uma relação mais saudável com o trabalho e para desenharmos cidades mais agradáveis de se morar”, aponta Fernanda.

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