Inovação na iniciativa pública: entenda porque esse investimento é importante para avançar
Apesar de uma missão complexa, especialistas falam sobre a importância da inovação nos setores públicos

Para acompanhar as mudanças e melhorar a prestação de serviços, os governos passaram a olhar com atenção para a inovação. Apesar desse olhar atento, as instituições públicas e gestores acabam esbarrando em questões burocráticas e dificuldades que tornam esse processo complexo. Por isso, é necessário que tanto a população quanto os gestores sejam engajados em situações que estimulam e fortalecem a transformação.
Para entender a importância da inovação nos setores públicos, a equipe da redação Start conversou com quem entende do assunto. Ike Koetz, secretário de Inovação, Desenvolvimento Econômico e Relações Institucionais de Gramado, Rio Grande do Sul, fala que naturalmente o poder público é menos veloz quando se trata de inovação e, por esse motivo, inovar no setor público se torna uma missão difícil e constante.
Apesar disso, Ike afirma que hoje já é possível encontrar diversas formas de desburocratizar processos e tornar o poder público mais ágil, fazendo com que a máquina pública custe menos e que os recursos possam ser melhor aproveitados. Segundo ele, é cada vez mais óbvio que as decisões políticas precisam ser baseadas em evidências, portanto a chave de uma gestão eficiente está no bom aproveitamento de dados. “Aos poucos estamos vendo essa transformação acontecer”, aponta.
Para Leonardo Ladeira, CEO e fundador da govtech Portal de Compras Públicas, inovar no setor público representa, em última instância, ser capaz de atender os anseios e expectativas da população atendida quanto ao próprio papel do setor público para a sociedade. Ele afirma que em um momento onde as vidas da população têm sido tão impactadas pelos avanços tecnológicos, não responder a população utilizando ferramentas tão ou mais ágeis do que aquelas que já são usadas em outros segmentos da sociedade acarreta a sensação de ineficiência e incapacidade de cumprir o seu papel.
Apesar da inovação ser fundamental para a iniciativa pública, muitos gestores se deparam com o desafio de convencer e apresentar seus projetos de uma forma que outros gestores entendam essa importância. Para que isso aconteça de uma maneira mais fluida possível, Leonardo afirma que por ter, quase conceitualmente, uma velocidade menor na adoção de processos inovadores em suas rotinas de atuação, é comum que o gestor público possa apontar situações inovadoras análogas ou correlatas na iniciativa privada e evidenciar com mais eficiência os ganhos atrelados a processos dessa natureza.
Entre os desafios e obstáculos encontrados ao longo da jornada em busca da inovação, muitos gestores se deparam com, principalmente, o fator cultural. Segundo Leonardo, a aquisição de bens e serviços pela administração pública, até muito recentemente no Brasil, era pautada exatamente por buscar soluções já validadas e de funcionamento conhecido, sob risco de responsabilização do gestor público que, eventualmente, gerasse um prejuízo ao erário com uma contratação mal sucedida.
Ele afirma que esse fato acabou se transformando lentamente por meio da mudança no marco regulatório, mas que na prática ainda não gerou uma confiança necessária por parte do gestor devido a essa eventual responsabilidade. Outro fator citado por ele é a falta de paridade na capacitação de gestores públicos das diversas esferas.
“O entendimento da possível interpretação de tais iniciativas (claro, nos cenários relacionados ao eventual fracasso de um projeto de inovação - o que, de uma forma ou de outra, precisa ser pelo menos considerado como um risco concreto) por parte dos órgãos de controle a que está sujeito esse mesmo gestor ainda não está claro. Isso vem a ressaltar a importância da criação de ambientes de experimentação controlada, como diversos sandboxes regulatórios que já foram implementados em várias partes do país”, comenta Leonardo.
Para Ike, o desconhecimento das pessoas sobre o tema da inovação é um dos principais fatores que gera gargalos para de fato inovar. Segundo ele, o desconhecimento gera desconfiança, e para transformar essa realidade, é necessário paciência, persistência e uma boa dose de engajamento da comunidade.
“É necessário estar atento aos anseios da comunidade e sempre buscando soluções não convencionais. Saber utilizar as soluções tecnológicas existentes propicia tempo para se dedicar mais atentamente para as relações humanas, a gestão de pessoas, do verdadeiro cuidado e carinho que todos nós precisamos. A longo prazo a inovação pode trazer benefícios para um ambiente público, com maior assertividade nas ações, menos desperdício de recursos, mais satisfação da população e mensuração de resultados mais efetivos”, ressalta Ike.
Do ponto de vista de Leonardo, conseguir atender objetivos básicos com menor desperdício de recursos significa poder ampliar sua atuação e tende a significar um melhor atendimento da população. Os ganhos de tempo que normalmente estão associados a processos inovadores bem sucedidos se refletem na percepção de melhor atendimento da população e em indicadores públicos diversos, além de colaborar, cada vez mais, para a construção de um país melhor para todos.
“Entendo que a fonte de inspiração aqui é mais uma vez a iniciativa privada. Entender como, para o cumprimento de seus objetivos sociais, um órgão público poderia não melhorar suas ferramentas de trabalho mas sim reinventá-las, mudando estruturalmente o “como” da sua prestação de serviços sem comprometer o “o que” dessa mesma prestação. Isso é inovar. O resto é evoluir”, pontua Leonardo.
É pensando na evolução que Ike Koetz vem atuando na Secretaria de Inovação de Gramado, trabalhando em três principais programas que, segundo ele, tornarão Gramado a cidade do futuro. Entre eles está o projeto Cidade Inovadora, com foco em desenvolver um ecossistema de inovação que apoie e incentive novas ideias, inovação para grandes e médias empresas, startups e soluções tecnológicas.
Outro projeto desenvolvido é o projeto Cidade Inteligente, que foca em utilizar inovação, tecnologia e dados para melhorar a eficiência dos serviços públicos e a qualidade de vida dos cidadãos. E, por fim, existe o projeto Cidade Criativa, que atua para valorizar a cultura, a arte e o design como motores da economia e da identidade de Gramado.
Já Paulo Renato Ardenghi Rizzardi, CEO da Wise Innovation, startup que atua com o objetivo de contribuir com a transformação de cidades por todo o país, afirma que a inovação proposta ao setor público começa com novas formas de pensar e agir. Ele aponta que é necessário repensar o modelo organizacional burocrático que propõe movimentos repetitivos e hierárquicos, tendo em vista que o poder público não tem conseguido oferecer boas soluções para problemas complexos.
Segundo ele, o setor público precisa construir uma nova mentalidade focada em colocar o cidadão no centro do processo, criando um ambiente para que a inovação permeie todos os setores de uma sociedade. Para que isso se torne possível, os novos gestores podem e devem utilizar da tecnologia para otimizar esse processo, implantando governos digitais de alta performance, com um ambiente regulatório de fomento à inovação na iniciativa privada, estimulando talentos para a nova economia.
Paulo Renato atuou durante 14 anos no setor público e pôde observar de perto a importância do poder de convencimento para o desenvolvimento de novos projetos. Por esse motivo, ele afirma que existem inúmeros anticorpos para a inovação que precisam ser vencidos por meio de bons projetos, justificados com dados, métricas de monitoramento e gestão de resultados.
Ele explica que, devido ao modelo organizacional burocrático imposto no Brasil, foram criados inúmeros processos, leis e limitações, que promovem a zona de conforto, o que acaba desestimulando a inovação. Apesar disso, o novo marco legal das startups permite um regime defensivo para contratação de soluções inovadoras para o poder público, o que facilita o caminho para a transformação de leis e formato de organização.
“A inovação não é moda, ela chegou para mudar a forma como pensamos o setor público e o futuro. Eu diria que precisamos de mais empreendedores do que gestores no poder público, e isso responde parte da pergunta. Os gestores pensam o presente, os empreendedores querem construir o futuro. Os gestores administram e fazem a gestão dos problemas e, para isso, a automação pode ser uma solução. Os empreendedores buscam por meio de sua irresignação transformar e desafiar os padrões de hoje, e isso vai muito além de autorizar serviços, isso passa pela construção de um poder público digital, empreendedor e inovador. Automatizar é processo, inovar é muito mais do que isso”, comenta Paulo.