Modelo com síndrome de down conquista o mundo e fala sobre a sua trajetória no mercado da moda

20/1/23
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Publicado por 
Redação Start

A modelo Maju de Araújo conta detalhes da sua experiência e sobre a importância de saber enfrentar os obstáculos com motivação

Com apenas 20 anos de idade, Maju de Araújo já conquistou as passarelas no Brasil e no mundo, e se destaca por ser a primeira modelo brasileira com síndrome de down a desfilar em eventos internacionais. A modelo já viajou o mundo para desfilar por grandes marcas, incluindo um desfile na Milano Fashion Week e na London Represents. Em três anos de carreira, já trabalhou em países como Portugal, Inglaterra, França e Qatar. Atualmente, a jovem atua como embaixadora de marcas como L’Oréal Paris e Lancôme.

No Brasil, cerca de 300 mil brasileiros nascem com a alteração no cromossomo 21, o que causa as características da síndrome de down, segundo dados do IBGE, divulgados pelo Senado Federal. Em um cenário onde a inclusão é algo que caminha a passos lentos no Brasil, pessoas como Maju carregam consigo a força e a luta pela inclusão e pela representatividade no país. Maju de Araújo será uma das palestrantes na edição de 2023 da Gramado Summit, onde contará sobre a sua trajetória no mundo da moda, abordando debates sobre diversidade. 

Em entrevista exclusiva para o Start, Maju compartilhou algumas de suas experiências.

  • Como você foi se inserindo nesse mercado até chegar onde está agora?

Minha carreira como modelo começou de 2018 para 2019, mas minha relação com esse mundo vem de muito antes. Desde criança meu coração já sabia o que queria, eu já amava moda, as câmeras, os holofotes, as passarelas. Foi algo que começou espontaneamente, foi genuíno sem que alguém precisasse me apresentar esse universo e me dizer que eu deveria ser modelo. Eu já pedia pra entrar nos lugares desfilando e sendo anunciada como modelo, já costumizava minhas roupas com o que via pela frente, usava as maquiagens e roupas das bonecas das minhas irmãs mais velhas.

Mas num mundo como o nosso, que ainda não aprendeu sobre o valor das diferenças e das oportunidades para pessoas de todos os tipos, parecia um sonho distante. Foi depois de um coma causado pela meningite que tudo começou. Apesar de ter sido desacreditada pelos médicos, eu sabia que muito ainda viria pela frente. Avisei a minha mãe que sairia dali para ser uma grande modelo e dito e feito, me recuperei e decidi cumprir essa promessa do meu coração. Comecei a estudar, me formei profissionalmente como modelo e busquei as semanas de moda das quais queria fazer parte. 

No começo foi difícil, mas as semanas de moda como a Brasil Eco Fashion Week me enxergaram e acreditaram no meu potencial. Um sim foi suficiente para que eu chegasse onde estou hoje. Um sim que me encorajou a continuar tentando e lutando por esse espaço nesse mercado que ainda é tão padronizado. 

  • Quais os desafios enfrentados nesse meio sendo uma mulher com síndrome de down, e de que forma você conseguiu superar essas dificuldades?

Os desafios vêm em combo. Enfrentei e enfrento a pressão de ser mulher e mulher com deficiência. Existem muitas cobranças e comparações injustas e irreais lá fora. Algumas pessoas querem que sejamos extraordinárias porque sermos nós mesmos não parece suficiente para elas. Quando algumas pessoas precisavam subir um degrau, eu precisava subir o triplo para tentar chegar no mesmo lugar. Precisamos constantemente provar que temos potencial, que temos capacidade, e ainda assim não é suficiente.

Nunca precisei chutar portas mas estaria mentindo se dissesse que elas estavam sempre ali, abertas e cheias de oportunidades pra mim e pessoas como eu. A verdade é que ainda estamos muito longe do ideal de sociedade acolhedora e inclusiva e, apesar de muitas pessoas acharem que isso é desmotivador, é justamente por isso que eu sigo lutando e trabalhando para ocupar um espaço que já deveria ser nosso. 

Vejo que meu trabalho está muito além daquele glamour de ser modelo e criadora de conteúdo; é uma missão que vai ao encontro das necessidades de outras pessoas, que assim como eu, têm sonhos de sobra e oportunidade em escassez. A ideia é abrir portas e mantê-las abertas para que as pessoas continuem passando por elas, para que as pessoas sigam seus caminhos em busca da vida que desejam e do que acreditam. 

Bom humor, autoconfiança, fé, resiliência e apoio de quem eu amo nunca faltaram nessa caminhada, e é por meio disso e do amor que sinto pelo que faço que consigo lidar com os desafios. 

  • De que forma a sua trajetória pode inspirar outras pessoas? Como você busca desmistificar e quebrar paradigmas em relação às pessoas com síndrome?

Eu não tive uma trajetória comum. Além dos desafios que a minha deficiência trouxe, precisei lidar com outros obstáculos que tornaram minha caminhada mais desafiadora. Ser uma pessoa com deficiência já é difícil, mas uma pessoa com deficiência que tem problemas financeiros, problemas graves de saúde poderia ter me impedido de estar onde estou. A questão é que todos nós parecemos pessoas improváveis de chegar a lugares mais altos quando somos pessoas "invisíveis" para a sociedade. 

Algumas pessoas têm perspectivas distorcidas ao meu respeito, e minha trajetória poderia rebater muitas falas e pensamentos capacitistas. Antes de chegar onde estou, algumas pessoas diziam que eu nunca conseguiria ser modelo porque era "impossível". Depois que consegui, a justificativa era de que, por ser PCD, as pessoas facilitam o processo pra mim. Para elas, não importa o que eu faça ou conquiste, para pessoas de mente fechada nunca será pela minha própria capacidade.

O segredo está em saber do seu próprio potencial e ter seu propósito de vida bem definido. Pessoas irão falar coisas, expor pensamentos e o problema é que a maioria delas nem nos conhecem. Como alguém que não sabe quem eu sou poderia definir o que posso ou não realizar? Se Deus me deu um sonho é porque sou capaz de realizá-lo, ninguém conhece meu coração tão bem quanto Ele, e prefiro ter fé em Quem preparou grandes coisas pra mim.

Meu desejo é que as pessoas aprendam a ter esse filtro, que elas aprendam a receber as críticas construtivas e bloquear os comentários que nos paralisam e nos limitam. Existe uma diferença e só quem pode descobrir somos nós mesmos. Sonhar não é fácil, precisa de ação, de atitude, de paixão. Não podemos guardar nossos sonhos como se eles não passassem de sentimentos, precisamos tê-los como metas, objetivos e colocá-los para acontecer. 

  • Como as pessoas que não possuem a síndrome podem apoiar a causa e auxiliar na luta contra o preconceito?

Muitas pessoas justificam sua omissão na luta por um mundo mais inclusivo e com mais respeito se baseando no discurso de que não estão em seu lugar de fala. O primeiro passo para ajudar na causa é reconhecer que todos temos um papel ativo na construção de uma sociedade com mais igualdade de oportunidades onde existam potenciais e com mais acessibilidade onde existam limitações.

Precisamos de pessoas que compreendam a inclusão como um benefício e um dever de todos e não como um favor que prestamos às pessoas com deficiência. Crescemos e evoluímos quando nos relacionamos com quem é diferente de nós. Se vivemos em uma bolha, nosso crescimento se limita alí dentro e não teremos como atingir o potencial máximo de desenvolvimento de competências cognitivas e socioemocionais. Todos temos limitações e potenciais e todos somos dependentes uns dos outros. 

Essa não é uma luta só de pessoas com síndrome de down, é uma luta de todos. O primeiro passo é entendermos que nós, pessoas com síndrome de down, temos nossas próprias personalidades, identidades, sonhos, ambições e histórias. Não somos todos iguais, e não existe uma fórmula específica que sirva pra todos. Assim como pessoas sem deficiência, tudo que esperamos é a oportunidade de sermos bons naquilo que escolhemos ser e fazer.

  • Quais iniciativas as empresas podem tomar para inserir pessoas com a síndrome no mercado de trabalho?

Não existe uma receita mágica. O primordial é simplesmente abrir portas e começar. Mas não basta dar essa orientação apenas às empresas. A escola é o primeiro lugar da sociedade que precisa reconhecer seu papel na inserção de PCDs na sociedade. Existem muitas pessoas com síndrome de down e outras deficiências com o sonho de se formar em alguma área e atuar profissionalmente nela. Existem inclusive algumas pessoas que até se formaram mas não encontraram oportunidades de exercer sua profissão por conta do preconceito.

Atribuir pequenas cotas com um número muito pequeno de inserção de PCDs no mercado de trabalho não é nem de longe uma iniciativa eficaz. As empresas precisam entender que as adaptações e aprendizados vêm no processo e, se tivermos que esperar que elas estejam prontas pra nos receber, nunca chegaremos lá. 

Como você descobre o que eu preciso como acessibilidade se não convive e se relaciona comigo? Precisamos de relacionamento, de disposição para conhecer uns aos outros e descobrir nossas necessidades e potenciais em coletivo. Tudo o que precisamos é da oportunidade de escolher e ser. 

  • Que dicas você daria para mulheres com síndrome de down se posicionarem para ter espaço no mercado de trabalho?

Como eu disse antes, nós mulheres com síndrome de down não encontramos as portas ali abertas esperando por nós. Essas circunstâncias demandam de nós algo chamado posicionamento. Eu sabia que meu diploma como modelo e meu potencial não seriam suficientes para que marcas e semanas de moda viessem me contratar. Nem mesmo as agências de modelo abriram portas para mim. Nós precisamos ter em mente que conquistar nosso próprio espaço no mercado de trabalho não é fácil e que encontraremos pessoas que farão de tudo para dificultar esse processo. 

Meu conselho é que se descubram primeiro. Descubram o que amam, o que querem e o que se imaginam fazendo da vida. Vocês não precisam fazer o que escolhem por vocês, vocês têm poder de escolha. Uma vez que vocês descobrirem que área querem seguir, estudem, se dediquem, invistam o que tem para se solidificarem, terem conhecimento e se destacarem. Não seria suficiente eu tirar umas fotos e alegar que sou modelo. 

Além de ser falta de respeito com quem se dedicou, seria negar a mim mesma o fato de que eu tenho potencial pra fazer sempre mais e melhor. Quando vocês conseguirem estudar e aprender a serem o que desejam, quando lapidar seus potenciais, não tenham medo de mostrá-los, de usar suas vozes. Infelizmente vivemos em um mundo onde ainda não somos totalmente ouvidos, mas isso não significa que devemos parar de falar, significa que devemos continuar falando e nos posicionando até que nos vejam e nos ouçam.

Não permitam que ninguém impeça vocês de seguirem um caminho que já é de vocês. Se uma porta se fechar, abram uma janela. Se um caminho não der certo, criem um novo, só não se permitam desistir. Vale a pena!

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