O retorno ao manual: como a cerâmica e a costura estão transformando o bem-estar em um mundo digital
Atividades manuais ganham destaque como uma alternativa eficaz para aliviar o estresse e promover a conexão pessoal
Nos últimos anos, a busca por atividades manuais tem se intensificado, refletindo uma necessidade crescente de se desconectar das mídias digitais e encontrar formas tangíveis de relaxamento. Pesquisas realizadas pelo escritório regional da Europa da Organização Mundial da Saúde mostraram que o uso de mídias artísticas no cuidado da saúde pode ter uma variedade de benefícios. Segundo um relatório divulgado em 2019 e que analisou os resultados de mais de 3 mil estudos, as artes têm um papel importante na prevenção de problemas de saúde, na promoção da saúde humana como um todo e no gerenciamento e tratamento de doenças ao longo da vida.
Recentemente, uma matéria da National Geographic Brasil também destacou como a arte e atividades manuais, como a cerâmica e a costura, têm se mostrado altamente eficazes para aliviar o estresse e promover o bem-estar mental. Vivian Lacks, do ateliê Terra e Fogo - Cerâmica Artística, observa um crescimento notável na procura por suas aulas e workshops de cerâmica.
"Nos últimos anos, a cerâmica tem ganhado popularidade e espaço na vida das pessoas. O crescimento foi impulsionado pela necessidade das pessoas de se desconectar do mundo digital e se conectar consigo mesmas. A cerâmica oferece uma forma de fazer algo tangível e real, o que é cada vez mais valorizado”, afirma Vivian.
A prática de moldar argila, segundo Vivian, proporciona um estado de concentração plena que ajuda a mente a se desviar das preocupações diárias e promove uma sensação de calma e bem-estar. Ela explica que o processo de trabalhar com cerâmica é naturalmente lento e metódico, o que permite uma pausa no ritmo acelerado do dia a dia e favorece momentos de reflexão e relaxamento.
O ateliê Terra e Fogo atende a uma ampla gama de pessoas, de jovens a idosos, todos em busca de um alívio das distrações digitais. Ela afirma que o contato físico com a argila pode ser muito terapêutico. Segundo ela, criar algo com as próprias mãos proporciona uma sensação de realização que é extremamente gratificante.
"Além disso, o ato de moldar o barro é uma forma de expressão criativa que contribui para a autoestima e o bem-estar emocional. Essa prática oferece não apenas uma pausa da tecnologia, mas também um meio de se conectar com um aspecto mais profundo e autêntico da experiência humana”, comenta Vivian.
Flaviana Velozo Rodrigues, do Piskita Arteira Ateliê, vê uma transformação similar no comportamento de seus alunos de costura criativa. Segundo ela, a costura é terapêutica e ajuda a reduzir o estresse, ensinando paciência e foco.
"Esse processo envolve uma atenção minuciosa aos detalhes e um ritmo que não pode ser apressado, promovendo uma sensação de calma e satisfação”, destaca Flaviana.
Ela observa que as aulas de costura têm um efeito significativo sobre a saúde mental dos participantes, ajudando-os a se desconectar das redes sociais e encontrar um espaço de tranquilidade. Flaviana observa que, quando as pessoas estão costurando, elas se desconectam do mundo virtual e se concentram totalmente no que estão fazendo.
"Isso proporciona um momento de paz e também desenvolve habilidades motoras finas e uma maior consciência do presente. O ambiente foi projetado para ser acolhedor e confortável, criando um local ideal para a prática de artes manuais. Isso ajuda os alunos a se sentirem à vontade e concentrados, promovendo um ambiente que favorece a concentração e o relaxamento”, explica Flaviana.
O que une essas duas formas de arte manual é o valor que elas oferecem além do simples passatempo. Trabalhar com as mãos representa uma meditação ativa, uma pausa necessária em um mundo saturado de tecnologia. A cerâmica e a costura não apenas proporcionam um escape das pressões diárias, mas também oferecem uma oportunidade para criar algo único e pessoal.
Flaviana afirma que a costura e a cerâmica nos lembram da importância do tempo e da atenção ao processo.
"Em um ambiente digital acelerado, essas práticas nos ensinam a valorizar o presente e a nos conectar com algo mais profundo e significativo”, aponta.
O Atelier 308, dirigido por Janaina Birck, também tem desempenhado um papel importante na promoção das atividades manuais. Janaina, sócia-fundadora do espaço, observa uma tendência crescente na procura por aulas de costura e bordado.
"Durante a pandemia, houve um aumento espontâneo de procura on-line por atividades manuais que as pessoas pudessem fazer em casa. No pós-Covid, boa parte dessas pessoas quis continuar a prática, buscando por aulas presenciais. Nesse meio tempo, a tecnologia seguiu avançando rapidamente, nos tornando cada vez mais dependentes e, invariavelmente, mais ansiosos. Já existe uma saturação, um cansaço do excesso das telas, onde muitas pessoas procuram por atividades manuais e presenciais, tanto para si quanto para os filhos”, afirma Janaína.
Ela destaca que o perfil dos alunos do Atelier 308 tem mudado ao longo dos anos.
"Quando começamos, em 2018, o nosso público era quase 100% de mulheres com mais de 50 anos e aposentadas. Hoje, embora a maioria ainda seja do público feminino, já abrangemos novas faixas etárias, incluindo crianças de 6 a 10 anos”, aponta Janaína.
Com formação acadêmica em Cinema, Janaína acredita que um bom vídeo, foto e arte são essenciais para engajar o público e criar a sensação de desejo para as atividades desenvolvidas no Ateliê e alcançar um bom resultado com o público.
“Temos uma mesa grande e coletiva, onde os alunos aprendem individualmente, mas trocam ideias, conversam e passam um tempo gostoso. Acho que esse formato é atraente para todos, independentemente da experiência. Penso em contemplar novas artes no Atelier, como desenho e aquarela, que também trazem esses benefícios. Ver as crianças imersas em atividades no Atelier me deixa muito feliz. Poder contribuir para que essa nova geração desenvolva a criatividade longe de celulares e tablets já é uma grande satisfação”, conclui Janaína.
Maria Eduarda Moraes, empreendedora e apaixonada por trabalhos manuais, também destaca o impacto positivo dessas atividades em sua vida. Em 2021, após a perda de sua avó para a Covid-19 e a adaptação ao home office, Maria Eduarda encontrou no bordado em bastidor uma forma de relaxamento e terapia.
"O bordado acabou se tornando uma forma de terapia”, conta ela. Esse envolvimento com trabalhos manuais ajudou-a a melhorar sua concentração e a lidar com a ansiedade.
Com o tempo, Maria Eduarda expandiu suas habilidades para a modelagem e costura, e sua paixão por essas atividades a levou a empreender na área da moda. Juntamente com sua mãe, ela criou um negócio focado em sustentabilidade, acreditando que essa prática é crucial para o futuro.
"A sustentabilidade em qualquer área é crucial para o futuro da vida humana”, afirma. Seu empreendimento não só promove peças confeccionadas com materiais ecológicos, mas também reflete seu compromisso com um estilo de vida mais consciente e criativo.
Maria Eduarda dá um conselho valioso para aqueles que buscam transformar um hobby manual em um negócio:
"Ter determinação e buscar um diferencial na área escolhida são fundamentais. Acreditar no seu projeto é essencial para que as pessoas reconheçam o valor do trabalho feito à mão”, comenta.
Sua trajetória demonstra como as atividades manuais podem oferecer não apenas alívio e satisfação pessoal, mas também oportunidades de negócios sustentáveis e criativos. Assim como Maria Eduarda, muitas pessoas estão encontrando na cerâmica, na costura e em outras práticas manuais um caminho para o bem-estar e uma conexão mais profunda com o presente.