Soluções que inspiram: empreendedorismo social é a porta para a transformação
Empreendedores falam sobre a importância do segmento em um cenário desigual como Brasil

Transformar cenários de vulnerabilidade em ambientes promissores pode ser uma missão difícil e complexa, mas quando bem feita pode causar um impacto positivo para a sociedade e, como consequência, pode contribuir com o avanço de diferentes segmentos da economia. Essa transformação pode acontecer de inúmeras maneiras, mas é necessário o apoio de iniciativas que de fato busquem a mudança desses ambientes.
É nesse contexto que os empreendedores sociais entram em cena, com soluções que mudam vidas, principalmente quando se trata de pessoas em situação de vulnerabilidade. A startup Água Camelo é exemplo de que contribuir com oportunidades e acesso a coisas básicas pode ser transformador. O negócio atua por meio de uma solução que dá acesso à água tratada para as pessoas em situação de vulnerabilidade, com um sistema chamado Kit Camelo, elaborado para captar, transportar, armazenar e filtrar água.
João Piedrafita, CCO e cofundador da Água Camelo, explica que a falta de água tratada atinge dois bilhões de pessoas no mundo e pelo menos 35 milhões de brasileiros, causando um impacto profundo na vida das pessoas e podendo prejudicar até mesmo o desenvolvimento físico e mental. Além disso, a falta de água limpa pode impactar também o campo educacional e profissional, facilitando a presença de barreiras socioeconômicas entre as pessoas atingidas do restante da sociedade.
Diante disso, João aponta que as empresas têm sentido a crescente necessidade de se envolver ou desenvolver projetos de responsabilidade socioambiental, com foco nos pilares ESG, que se encaixa também no desenvolvimento de ações voltadas para o acesso à água potável. Apesar desse interesse ser uma realidade, investir em projetos que de fato resolvam esse desafio possuem alto custo e, muitas vezes, não conseguem atender 100% todas as necessidades da população.
.jpg)
“Nossa solução é prestar um serviço de impacto social de alta relevância, que promove a melhoria de curto, médio e longo prazo para as populações beneficiadas. Isso permite a participação direta de empresas clientes como agentes transformadores. Fundamos a empresa com o foco de contribuir, de forma concreta e eficaz, para mudar o cenário da falta de acesso à água tratada, incorporando tecnologias de ponta, porém simples e acessíveis, que viabilizem o consumo de água de boa qualidade por parte das populações sem acesso a esse serviço público básico”, comenta João.
João acredita que o empreendedorismo social contribui com o avanço socioeconômico do país em diversas esferas, promovendo o desenvolvimento de comunidades e regiões, contribuindo com a inovação social e ampliando as oportunidades de emprego e renda para pessoas que estão em situação de vulnerabilidade social. Ele afirma que no Brasil, onde a quantidade de pessoas que vivem sem os seus direitos básicos assegurados, os negócios de impacto acabam apresentando um papel fundamental para atender essa parcela da população.
Segundo ele, esse tipo de empreendimento tem a função de resolver problemas da sociedade por meio da criação de modelos que tenham um impacto positivo na população e ao mesmo tempo geram renda para as empresas, promovendo o desenvolvimento social e econômico
“Nos propomos a estruturar essa cadeia que leva produtos de alta qualidade para as pessoas em situação de vulnerabilidade social, com alto valor agregado para empresas que estão fomentando essa transformação estrutural. Nosso sonho é mudar a realidade das duas bilhões de pessoas que sofrem com esse problema no mundo e começar essa jornada foi apostar que para concretizar essa transformação é preciso que as novas e revolucionárias empresas tenham o impacto em seu core business, com alto potencial de crescimento e melhoria social. Fundamos a Água Camelo sabendo que ela não deveria existir. Nosso grande sonho é que todas as pessoas tenham um copo de água limpa para beber em suas casas, afinal, é um direito de todos”, ressalta.
Saville Alves, empreendedora de impacto na SOLOS, empresa que atua por meio de soluções facilitadoras para o descarte correto de embalagens pós-consumo, afirma que o empreendedorismo social contribui com o avanço de uma maneira ampla. No caso da SOLOS, Saville explica que o Brasil é hoje o quarto maior gerador de lixo do planeta. Diante disso, a startup de impacto, que tem o sonho de fazer a reciclagem acontecer no Brasil, acredita que é preciso integrar grandes indústrias e marcas com esse cenário.
Ela explica que o papel da SOLOS é fazer a conexão entre empresas, poder público e cidadão, que é quem precisa ter a atitude de descartar corretamente. A startup possui base em três pilares, o engajamento por meio de conteúdos e experiência para aproximar o público culturalmente do descarte correto e a implementação de sistemas inteligentes de coleta, para apoiar marcas e o poder públicos com políticas (corporativas e públicas) estruturantes. Por fim, ela aponta a gestão de resíduos em grandes eventos para que a economia criativa, ponto forte do Brasil, potencialize a economia circular.

“Ao longo de 5 anos, já coletamos mais de 1 mil toneladas de resíduos, gerando R$ 2,5 milhões de renda para catadores que passaram a ter mais qualidade e autoestima com a profissionalização de seus trabalhos. Somos uma startup Nordestina, que tem atuação nacional junto com marcas como Braskem, Heineken, iFood e Ambev, com indicadores e diretrizes de diversidade e inclusão. Todavia, tendo em vista a complexidade do nosso país, sabemos que muitas pessoas não vivem de forma digna, e precisamos transformar essas realidades o quanto antes”, aponta Saville.
Ela ressalta que, os negócios que nascem com intenção de promover transformação socioambiental conseguem combinar práticas de gestão inclusivas, um modelo de negócio mais inovador e atitudes mais colaborativas. Segundo ela, isso pode gerar um efeito em cadeia para a economia, com negócios mais competitivos para o olhar do mercado, em especial, neste momento em que as diretrizes financeiras estão olhando para o ESG. Saville ressalta ainda que, o Brasil, que é um país de cultura e elementos da natureza abundantes, precisa se colocar na vanguarda e estimular essa crescente.
Criatividade, Amazônia, água doce, vento, sol e uma agricultura e expressões artísticas já globalmente reconhecidas são elementos que Saville ressalta como ativos que colocam o país em uma posição privilegiada quando o assunto é fortalecer uma economia verde, inclusiva e digital. Mas para que isso aconteça, é necessário as políticas públicas de fomento, pensando em desoneração de cadeia e investimento em formação de empreendedores, cientistas e outros profissionais.
“Com a alma cheia de mágoa e as panelas 'vazia'; sonho imundo, só água na geladeira; e eu querendo salvar o mundo". O léxico de Emicida revela para mim o paradoxal desejo e necessidade que muitos de nós brasileiros têm de matar a fome e realizar seus sonhos (e coletivos). Empreender por si só, seja com impacto ou em modelo tradicional, não garante nada. Ainda mais em um ecossistema ainda bastante desigual. Precisamos de um movimento conjunto de políticas públicas, agentes de fomento e empreendedores que entendam a importância de gerar impacto também nos territórios mais vulneráveis e com agendas que promovam a melhoria da vida de todos. Sabemos que essa é uma construção geracional, mas que precisamos acelerar. O racismo é um problema que não resolvemos nos últimos 500 anos. E com o crescimento da sociedade, os desafios se tornam ainda mais amplos e complexos. Precisamos acelerar esses processos”, conclui Saville.
Mariano Cenamo, diretor de novos negócios do Idesam e CEO da aceleradora de impacto AMAZ, afirma que o avanço socioeconômico do Brasil depende da capacidade de, como país, novos empreendimentos superarem uma série de problemas estruturais. Segundo ele, os empreendedores sociais precisam enfrentar os desafios da educação no país e a desigualdade, pelo acesso a serviços básicos e, especialmente, pela capacidade em criar um novo modelo de desenvolvimento que resolva a mudança do clima. Ele ressalta ainda que um grande diferencial como país hoje está na nossa capacidade de modernizar o nosso modelo de desenvolvimento econômico à luz da mudança do clima.

“O mundo inteiro passou pelo pior ano da história em termos de mudança do clima, com secas, enchentes, queimadas, alagamentos, furacões, ciclones, e isso mostra que a mudança do clima veio para ficar, e que vai haver uma demanda enorme por soluções que venham a enfrentar esse problema. O Brasil está muito bem posicionado para desenvolver essas soluções, e isso depende de uma nova geração de empreendedores. O empreendedorismo socioambiental tem esse papel fundamental”, comenta Mariano.
Ele ressalta que a AMAZ, maior aceleradora de negócios de impacto da região norte, atua por meio da identificação de empreendedores e negócios que podem prover soluções para os problemas do desmatamento, restauração de floresta, gerando emprego, riqueza e prosperidade a partir da sociobiodiversidade da Amazônia. Com cerca de 20 negócios em seu portfólio, a instituição já impactou cerca de 1197 famílias espalhadas por todo o estado do Amazonas e já investiu R$5,6 milhões, direta e indiretamente, contabilizando 3,75 milhões de hectares conservados.
“Destaco aqui que o empreendedorismo socioambiental no Brasil tem um potencial, tem a missão de resolver nossos problemas sociais e ambientais mais urgentes. E destaco três problemas em especial, que são, do ponto de vista social, a desigualdade e a pobreza; e do ponto de vista ambiental, as emissões de gases de efeito estufa, especialmente aquelas associadas ao desmatamento e à agropecuária, que são as fontes responsáveis por mais de 75% das emissões de gases de efeito estufa no Brasil. Acredito que essa economia de soluções para a mudança do clima vai ter a mesma capacidade globalmente, ter a mesma tração que teve a economia da internet nos últimos anos”, aponta.