Tecnologia e coluna: um alerta para a saúde na era digital
Especialistas explicam como o uso prolongado de celulares e computadores contribui para uma crescente epidemia de problemas posturais

Em um mundo cada vez mais conectado, onde celulares e computadores se tornaram ferramentas essenciais do dia a dia, o preço que pagamos pela conveniência tecnológica pode ser mais alto do que imaginamos. A utilização prolongada e inadequada desses dispositivos, aliada à postura incorreta, tem resultado em uma crescente epidemia de problemas de saúde, principalmente na região da coluna, afetando desde jovens até pessoas mais velhas.
Um estudo realizado por Marcella Fernandes Domingues e Rosemary Berto, para a Revista Ibero- Americana de Humanidades, Ciências e Educação- REASE, mostra que a pandemia de Covid-19, em 2020, teve impactos expressivos nesse cenário, devido ao aumento significativo de pessoas atuando em sistemas home office, causado pelas políticas de isolamento social. Para se adaptar a isso, a tecnologia e soluções digitais se intensificaram ainda mais, causando um aumento no número de pessoas conectadas e, consequentemente, aumentando os riscos de lesões e problemas para a coluna.
Deise Dalateia, fisioterapeuta, Osteopata D.O e proprietária da Clínica BeSoul Saúde e Bem-Estar, explica que com o aumento de trabalhos no modelo home office, muitas pessoas não possuem um posto de trabalho adequado para manutenção de uma postura adequada. Ela aponta que a má postura associada a altos períodos de exposição, resulta a longo prazo em fadiga muscular, articular, ligamentar, entre outros. Com isso, é possível sim notar o aumento dos problemas posturais e procura por tratamentos para dores na coluna em geral.

“De maneira geral, houve um aumento progressivo dos quadros de cervicalgia e lombalgia. Estudos demonstraram que houve uma piora significativa dos sintomas em pacientes que já sofriam anteriormente de problemas de coluna e uma incidência de 40,9% de novos diagnósticos”, destaca Deise.
Para os fisioterapeutas Luisa Reichert e Ian Peroni, da clínica Fisioterapia Especializada, compartilham que o trabalho em home office mudou drasticamente os hábitos relacionados à saúde das pessoas, mas parece que sem muita mudança na prevalência de dores nas costas. Segundo ambos, a dor lombar é a condição que causa mais dias vividos com incapacidade no mundo inteiro, e essa estatística não mudou nos últimos 20-30 anos.
Eles explicam que os casos mais comuns são dores nas costas primárias, hérnias de disco e pré e pós-operatório.
“Existe um grande engano que as dores nas costas são tratadas somente com medicação e cirurgia. A maioria dos casos são tratados de forma não cirúrgica e não raro precisamos de outros profissionais da saúde no tratamento, como educadores físicos, psicólogos, médicos e nutricionistas. Porém, o fisioterapeuta, é sem dúvida, um dos principais profissionais aptos a avaliar, diagnosticar e tratar dores nas costas”, comentam.
Segundo Deise, os principais problemas incluem alterações e acomodações posturais, hérnias e protusões discais, aceleração de quadros degenerativos, disfunções de mobilidade geral, espasmos musculares, triggers e tender points. Ela explica que essas condições são agravadas por posturas inadequadas e falta de movimentação ao longo do dia.
É nesse momento que a osteopatia surge como uma abordagem diagnóstica e terapêutica manual que se concentra em disfunções de mobilidade articular e tecidual. Segundo ela, este método, baseado no profundo conhecimento da anatomia, fisiologia e biomecânica corporal, visa uma profunda avaliação da qualidade de movimento. Ela ressalta ainda que o objetivo é devolver a mecânica adequada às estruturas do corpo, proporcionando alívio das dores e prevenindo problemas futuros que possam surgir devido a sobrecargas ou função inadequada.
“Com sua minuciosa avaliação, a osteopatia é uma excelente ferramenta no alívio da dor, melhora das funções e da biomecânica geral do corpo como um todo. Essa abordagem resulta em uma melhora significativa na qualidade de vida e bem-estar geral do paciente. Sabemos que nosso corpo é altamente adaptável a tudo que for exposto. Por isso, acredito que o grande e principal diferencial é o olhar minucioso e o agir na prevenção, e não em deixar o problema realmente se instalar para depois tratar", comenta.
Ela enfatiza que a atividade física bem orientada pode ser um fator considerável para a melhora de problemas associados a isso. Para aqueles que passam longos períodos sentados, em pé ou trabalhando em home office, ela recomenda algumas medidas preventivas essenciais, como deixar o posto de trabalho o mais adequado possível, levantar-se e se movimentar rapidamente a cada hora, fazer pausas breves para alongamentos, praticar atividade física e reforço muscular diariamente são medidas fundamentais. Além disso, ela destaca a importância das consultas mensais de osteopatia para prevenção de bloqueios, dores e para melhorar a função geral do paciente.
Apesar disso, Luísa menciona um estudo realizado no Brasil em 2018 que desafiou essa crença popular. Segundo ela, o estudo, conduzido com 150 adolescentes no Rio de Janeiro, não encontrou associação entre a postura da coluna cervical durante o uso do celular e a dor cervical. Ela explica que o problema está principalmente no tempo de exposição e em uma posição desconfortável e sem variação de postura.
Quanto ao tratamento das dores na coluna causadas pelo uso prolongado de dispositivos eletrônicos, Ian aponta que o tratamento fisioterapêutico baseado em evidências científicas tem como pilares a terapia manual, agentes eletrofísicos e exercícios terapêuticos. Ele enfatiza a importância de fornecer informações científicas para promover a autonomia do paciente e de abordar os comportamentos que contribuem para as disfunções, especialmente em casos de dor crônica.

"Mais do que simplesmente tratar sintomas, é fundamental alterar os comportamentos que contribuem para as disfunções. Isto proporciona não só alívio dos sintomas, mas também uma verdadeira transformação na saúde e bem-estar. Alguns fatores muito comuns que aumentam o risco de desenvolver episódios de dores nas costas são episódios anteriores de dor nas costas, sedentarismo e níveis elevados de estresse e ansiedade", explica Ian.
Ele recomenda que quem apresenta esses fatores procure um fisioterapeuta qualificado para orientação e prevenção. Para aqueles que trabalham longas horas sentados, Luísa e Ian recomendam práticas de autocuidado para evitar problemas na coluna e manter a saúde física.
"Um dos principais pontos é estimular a pessoa a aumentar o volume, a frequência e o tipo de movimentação da coluna, incluindo movimentos que variam a postura e a amplitude de movimento”, completam.