Como o aumento de diagnóstico de pessoas com restrições alimentares tem elevado a demanda por produtos e serviços para esse público
A ascensão da alimentação inclusiva mostra como o mercado vem se adaptando às restrições e necessidades alimentares

Nos últimos anos, tem se observado uma tendência crescente de pessoas buscando uma vida mais saudável em sua alimentação. Essa mudança é impulsionada tanto pela mídia quanto por novas pesquisas que demonstram os benefícios a longo prazo de uma alimentação equilibrada, especialmente para aqueles que possuem restrições alimentares. Em uma matéria divulgada pelo Valor Econômico, baseada em um estudo da Conaq, consultoria alimentar especializada, fica evidente que a alimentação saudável é uma resposta à crescente preocupação das pessoas com saúde e bem-estar. Além disso, a alimentação adequada desempenha um papel fundamental na prevenção e controle de doenças.
Para a nutricionista Marlise Potrick Stefani, CEO da Nutritécnica Clínica e Consultoria e da Nutrilis Gastronomia e SPA, a busca por uma alimentação saudável vai muito além de modismo, e sim, o anseio pela inclusão de pessoas que possuem restrições alimentares. Pessoas que possuem restrições tendem a ter uma vida muito mais restrita quando se trata de alimentar, tendo que optar entre se alimentar em casa, onde o controle e manuseio de alimentos é muito mais controlado, ou se alimentar fora de casa, onde o risco à contaminação é muito maior. Entre as alergias e intolerâncias mais comuns, podemos destacar a intolerância à lactose, que é relativamente mais simples de manejar, uma vez que os sintomas são imediatos e há testes rápidos disponíveis para diagnóstico.
Porém, a situação é mais complexa no caso da doença celíaca, onde a intolerância ou alergia ao glúten requer um cuidado ainda maior.
"Surgiu um modismo nutricional em que as pessoas acreditam que restringir o glúten ajuda a emagrecer, o que cria uma confusão para nós, pois muitas pessoas pedem alimentos sem glúten sem ter o diagnóstico de intolerância ou doença celíaca. Nossa grande preocupação são os pacientes, clientes e hóspedes com doença celíaca e que têm essa restrição severa; é com eles que nos preocupamos mais", enfatiza Marlise.
Por esse motivo, ela destaca a importância do diagnóstico adequado e da capacitação dos profissionais da saúde. Ela aponta que, até pouco tempo, não havia tantos profissionais capacitados para diagnosticar a intolerância ao glúten e a doença celíaca. Hoje, isso evoluiu, e já é possível encontrar exames e profissionais habilitados para isso. Ela acredita que a indústria alimentícia teve um papel pioneiro nessa evolução, oferecendo produtos seguros muito antes de restaurantes, hotéis e comércios em geral se preocuparem com o tema. Ela conta que, na indústria, é possível encontrar locais higienizados e separados de ambientes comuns, o que mantém o ambiente seguro. Já em restaurantes, é muito mais difícil, pois circulam alimentos e pessoas que podem contaminar os alimentos.

“O glúten é volátil, fica na roupa, na bancada, no ambiente, e nem todas as pessoas são capacitadas ou entendem como isso funciona”, explica a profissional.
Ao longo da sua jornada como consultora, Marlise compartilha que a consultoria para o Villa Bella Hotel & Spa Gramado, que teve início há 27 anos, começou quando o fundador do hotel, o empresário gramadense Roger Bacci com o espírito inovador, buscou a padronização e qualificação dos serviços de alimentação e bebidas.
Com isso, Marlise pôde implementar todas as boas práticas, o que era algo inovador na época, e realizar a capacitação de toda a equipe, que já trabalhava em sistema de multifunções. Ao longo dos anos, Marlise conta que a demanda por serviços para públicos com restrições alimentares foi crescendo, abrindo espaço para oferecer alimentos sem açúcar para diabéticos, alimentos sem sal para hipertensos, além de atender a pessoas com alergias e intolerâncias, como a restrição à lactose e, por fim, ao glúten.
Segundo ela, a mudança no hotel trouxe uma maior credibilidade para nossos hóspedes, que passaram a procurar o hotel em busca dessa segurança. Em 2015, com a abertura do SPA, o hotel passou a ser ainda mais focado em bem-estar, relaxamento e saúde. A oportunidade foi se expandindo e gerando uma maior preocupação com os hóspedes, buscando sempre a excelência por meio de uma cozinha inclusiva, com toda a infraestrutura necessária para manipular esses alimentos de forma segura.
Mostrar que a restrição alimentar pode ser leve e livre para quem possui é um dos principais propósitos de empresas que se preocupam em atender bem esse público, como o Villa Bella, que além de organizar um espaço exclusivo para manusear os alimentos, trabalha diretamente com a educação e a conscientização dos seus colaboradores.
“A conscientização e o conhecimento são fundamentais para incluir esses pacientes, clientes e hóspedes no nosso hall de atendimento normal. Muitos profissionais, como garçons, cozinheiros e copeiros, nem conhecem ou entendem que uma falha, como pegar um pão e depois um alimento sem glúten, pode levar uma pessoa realmente sensível à morte”, destaca Marlise.
Apesar de Gramado ser destaque em hospitalidade, Marlise aponta que a maioria dos restaurantes, hotéis e bares não tem sequer um responsável técnico, um nutricionista ou uma consultoria que garanta um alimento isento de glúten, lactose e outros ativos alergênicos. Segundo ela, nem todos os donos de estabelecimentos na cidade se preocupam com isso, e fora do país, essa já é uma preocupação básica e inclusiva.
“Muitas pessoas dizem: "Ah, não tem glúten nem lactose", mas podem sim levar um paciente ou cliente à morte, pois o alimento, embora sem glúten, foi manipulado em um ambiente contaminado. Tivemos um caso de uma hóspede celíaca severa que se hospedou pela primeira vez em julho de 2023. Ela veio com o esposo e, ao chegar ao Villa Bella, percebeu que podia fazer tudo o que gostaria, como comer um fondue e um prato completamente seguro. Até a massagem foi feita com produtos naturais e sem glúten. Ela ficou encantada e, no final do ano, trouxe a família inteira para comemorar seu aniversário. O esposo relatou que aquele foi o maior presente, pois pôde tirar a esposa de casa e ela voltou bem, com saúde”, comenta.
Inovação a favor de produtos para pessoas com restrição
Já Lisiane Campos, Diretora de Marketing do Grupo Piracanjuba, compartilha que a empresa tem investido fortemente em inovação para atender às necessidades desse público. Ela explica que a inovação e tecnologia são ativos importantes para a diferenciação e competitividade no mercado. Com isso, a Piracanjuba utiliza esses recursos para incremento da oferta de produtos, como é o caso da linha A2, das opções Zero Lactose e dos produtos voltados para nutrição infantil, com a marca Piracanjuba Excellence.
Ela destaca que a marca desenvolveu uma Divisão científica – a Piracanjuba Health & Nutrition, departamento que funciona exclusivamente como centro de pesquisas e testes dos produtos e conta com suporte intelectual de especialistas e profissionais da saúde, além de engenheiros de alimentos, com expertise na qualidade e na segurança alimentar que são os balizadores da marca.
“A ideia é ampliar as possibilidades de alimentação desse público, permitindo que incluam variedade na rotina. Esses movimentos do mercado incentivam a inovação e desafiam as empresas a buscarem novidades e alternativas. É preciso que as empresas estejam atentas às necessidades dos consumidores e saibam o momento adequado de apresentar alternativas que facilitarão a rotina e darão opções para incrementar a alimentação”, comenta Lisiane.
Segundo ela, o grande desafio é oferecer variedade sem abrir mão da qualidade. Para lançar o Leite Piracanjuba A2 de caixinha, Lisiane explica que o primeiro passo foi identificar fazendas que possuem vacas geneticamente selecionadas e que seguem rigorosos protocolos de certificação.
“Nosso produto possui o selo da Integral Certificações, com auditorias realizadas pela Genesis Group, que confirma que o leite é derivado apenas de vacas com genótipo A2A2 para a produção de beta-caseína. Por isso, contém apenas caseína A2 em sua composição, tornando-o naturalmente mais fácil de digerir”, destaca.
Além disso, Lisiane comenta que as ações ambientais são uma prioridade constante para a Piracanjuba. A empresa está comprometida com a governança transparente e com a apresentação de resultados.
“Temos várias iniciativas ambientais e, por isso, estamos investindo cada vez mais em práticas otimizadas. Atualmente, o consumo de água nos processos é de, no máximo, 2 litros por quilo de matéria-prima processada, enquanto na literatura esse número pode chegar a 6 litros. Quase 90% da água retirada dos rios para a operação é devolvida após tratamento adequado”, acrescenta Lisiane.
Sobre a diferença entre o leite tipo A, A2A2 e os leites convencionais, Lisiane aponta que, enquanto o leite convencional contém caseína A1 e A2, o leite A2 é produzido exclusivamente a partir de vacas com genética que produz apenas a caseína A2. Essa diferença é o que distingue o Leite Piracanjuba A2, que, além de ser uma fonte de proteína e cálcio como outros leites, promove uma digestão mais fácil pela ausência do peptídeo BCM-7 (betacasomorfina-7), que pode causar desconforto digestivo em algumas pessoas.
Sobre as perspectivas de crescimento para os leites tipo A e A2A2 no mercado brasileiro, Lisiane observa que a demanda por esses produtos está crescendo à medida que os consumidores buscam alternativas que atendam às suas necessidades alimentares específicas.
“Os consumidores estão sempre em busca de novidades, e embora os leites continuem a ser ingredientes fundamentais nas dietas e receitas do dia a dia, há uma crescente demanda por alternativas que ofereçam benefícios específicos”, conclui Lisiane.