Criatividade e inovação: como inovar nos ritmos de jazz?

30/4/23
|
Publicado por 
Redação Start

Em homenagem ao Dia Internacional do Jazz, músicos falam sobre a busca da diferenciação no mercado da música

Foto: Lorena Machado
Foto: Lorena Machado

Com uma mistura de improviso, sons e experimentos musicais complexos, o gênero musical Jazz carrega muita representatividade e identidade sociocultural. Entre 1890 e 1910, os artistas como Buddy Bolden resolveram unir as tradições com o objetivo de inovar e criar novas músicas, utilizando ritmos que representavam diversas culturas e tribos urbanas de Nova Orleans, nos Estados Unidos.

Atuando como uma expressão popular, o gênero musical passou a representar ações contra a segregação racial e a Guerra Civil no país. Além da cultura negra, o ativismo e a mistura de influências, o Jazz também esteve ligado à liberdade sexual, sendo tocado em bares e bordéis no sul dos Estados Unidos. Após alguns anos, o ritmo se expandiu e se alastrou por diversos países, conquistando diversos públicos, chegando ao Brasil em meados de 1950 e misturando-se aos gêneros locais, como Samba e Bossa Nova.

Quando falamos de música, podemos observar um mercado amplo para artistas. Mas quando se trata de um gênero musical antigo, é preciso inovar para abranger os mais diversos públicos e faixas etárias. O vocalista e fundador da Jazz Cinnamon, Luciano Souza, afirma que não existem expectativas em conservar ainda mais o ritmo sem a presença de festivais de Jazz, que atuam como combustível para o gênero musical. Luciano teve o primeiro contato com o jazz ainda na infância. Com uma família completamente imersa no ambiente musical e de influência dos pais, Luciano e os irmãos se juntavam para produzir conteúdos musicais. 

“O jazz entrou tão cedo na minha vida quanto as óperas, o erudito e a música francesa. Sempre me recordo de alguma trilha sonora durante minha infância: Charlie Parker, Miles Davis, Thelonious Monk, Nat King Cole, Coltrane, Hermeto Pascoal, Egberto Gismonti, entre tantos outros. Mas parece que quando escutei Frank Sinatra e na sequência Ray Charles houve uma espécie de magia - o som desses caras me fisgou. E por mais Head Banger que tenha sido minha adolescência: eles nunca saíram da minha playlist”, comenta Luciano.

Apesar de estar presente no segmento, cantando há mais de 30 anos, foi só em 2012 que Luciano decidiu unir o talento e a paixão com a vontade de colocar em prática uma espécie de reciclagem musical, transformando clássicos do rock'n'roll e do pop mundiais em releituras de Jazz, com a Jazz Cinnamon. O grupo é composto por Cezimbra Filho, baterista, Levi Gondim nos teclados, Luciano Soul na voz e harmônica, e Serginho Severo no baixo.

Luciano conta que boa parte dos músicos da sua geração passaram por um período de aceitação por parte da família, que viam a música como um hobby ou segundo plano, mas que era necessário um “trabalho de verdade”. Esse era o caso do próprio pai, que seguiu a carreira de dentista a vida toda, e apenas um dia antes da morte, chamou Luciano ao hospital e questionou se a música era o que realmente o fazia feliz e deu a sua bênção para que ele desse continuidade na música.

“O som que a gente faz hoje era um som que eu gostaria de ter mostrado para ele naquela época”, afirma o músico.

O músico explica que o Jazz é um ritmo complexo e cita o exemplo do instrumental do Bird, de Charlie Parker, com um frenesi de notas musicais, onde é preciso prestar atenção e ouvir com clareza para interpretar a intenção de cada compositor. Luciano conta ainda que a Jazz Cinnamon busca se diferenciar trazendo a mistura irreverente de outros ritmos, com uma didática simples, dando liberdade aos integrantes da banda de criar, improvisar e aguçar a curiosidade no público mais jovem.

Segundo ele, o Jazz possui uma estrutura e uma sonoridade que devem ser conservadas, mas que podem ser misturadas com componentes de outros ritmos musicais, dando origem ao Jazz Contemporâneo, algo diferente e muito adequado ao futuro da música. Vale ressaltar que a autenticidade é o primeiro passo para o sucesso na área. A ideia é unir estilos musicais de outras décadas vividas, trazendo além do prazer da música, a identificação e uma característica única às apresentações.

Foto: Divulgação

Com formação em hotelaria, o músico notou que a região era limitada no segmento de Jazz, foi quando decidiu unir a vontade de fazer música, encontrar músicos parceiros e fazer essas misturas de ritmos para inovar no setor. O Jazz Cinnamon acabou virando uma empresa a partir do momento que Luciano passou a pensar em música como um nicho de mercado.  

“Eu fiz teatro, e quando tu desenvolve alguma coisa com o Jazz tendo esse viés artístico, podemos oferecer uma apresentação que vai além da música ao vivo. Trabalhamos na intenção de colocar o ouvinte no mundo do jazz e  oferecer uma experiência. Por isso, desenvolvemos uma personagem, eu entro na onda, conto histórias, falo sobre o assunto, tornando o show do Jazz Cinnamon uma coisa exclusiva e intimista. A minha experiência me deixou claro que só existe retorno quando você encara sua música como um negócio, um trabalho, mesmo que você sinta muito prazer, ou se divirta com ele”, conta Luciano.

Para o músico, é preciso haver identidade, criatividade, estudo e muito respeito ao Jazz e ao público, principalmente na hora de montar o repertório. “Não se trata de técnica, ou um nome bonito, ou investimento em redes sociais. Não dá para dizer que faz Jazz sem conhecer o gênero profundamente”, finaliza.

Foto: @paulavinhasfotografia

Na outra ponta do país, em meio a floresta amazônica, podemos citar outro exemplo que faz do Jazz um segmento a ser explorado, mantendo as raízes e misturando aos ritmos da floresta. O Amazonas Jazz Day foi inspirado no Dia Internacional do Jazz, comemoração mundial criada pela UNESCO e anunciada pelo pianista Herbie Hancock em 2012, que acontece anualmente no dia  30 de abril. A celebração é comemorada em cerca de 190 países e carrega a importância do gênero musical e sua contribuição para valorizar e respeitar a história da expressão cultural negra pelo mundo inteiro.

Foto: Lorena Machado

Em comemoração a essa data, um grupo de músicos da região se uniram para criar o Amazonas Jazz Day, idealizado por Leonardo Pimentel, da Amazonas Filarmônica, e Regis Gontijo, da banda Blues na Floresta. A celebração acontece desde 2018, reunindo jazzistas de todo o estado como uma versão reduzida do festival, festejando e contemplando esse dia.

Para Regis Gontijo, o inovador do Jazz é que ele pode se adaptar a vários estilos, incluindo os ritmos indígenas que podem ser inseridos à sonoridade da música. O grande foco e diferencial do jazz é a improvisação “O Jazz quer improviso do músico. Nós nunca vamos escutar um igual ao outro. O Jazz é livre. Você está sempre inovando e cada dia é um dia, cada solo é um solo”, conclui Regis. O evento se consolidou como o melhor evento de Jazz da Região Norte, com os maiores músicos da região, em uma mistura de sons indígenas.

Ele afirma ainda que celebrações, festivais e eventos de Jazz são essenciais para manter o ritmo vivo, e que esse processo se dá pelo fato do uso da inovação e a fusão de ritmos diferentes, mas sem fugir do tradicional Jazz.

Leonardo Pimentel, percussionista e baterista, afirma que festivais e concertos musicais são uma forma de movimentar a cena e gerar oportunidades para os músicos. O Amazonas Jazz Day surgiu a partir do momento em que o grupo notou uma necessidade no mercado da música, com base no concerto global. O objetivo do concerto é homenagear os grandes nomes do Jazz e se diferenciar por meio da união de ritmos locais, para que os sons produzidos durante a celebração carregassem a identidade cultural do norte do país. 

Além disso, gerar renda e oportunidades, abrindo espaço para músicos apresentarem seus talentos diante do público.

“Buscamos abrir os nossos espaços, movimentar a cena, criar oportunidades comerciais e culturais para o músico e o público, situações para nos fazer crescer. Como exemplo, os tributos a grandes nomes do Jazz, celebrações de homenagem, aniversários, tudo isso gera possibilidades”, comenta Leonardo.
Foto: Ed Henrique

O músico explica ainda que o Jazz já não é mais aquela coisa exclusivamente americana e antiga, visto que o quesito de liberdade e a improvisação dos arranjos abrem espaço para apresentações únicas e multidisciplinares. O Jazz não é só um gênero musical, ele pode abranger uma série de talentos e produções, como as divulgações de marketing e conteúdo, empresas públicas e privadas, e os artistas. 

“O Jazz é um terreno fértil para a criatividade. Aqui na região norte, por exemplo, a gente tem potencial para fazer músicas incríveis com o material que temos aqui, da natureza, do caboclo, do índio e da música de metrópole. Podemos criar novas formas de compasso mais complexas, com o uso de tambores e as gravações da natureza. Faz parte da continuação do estudo filosófico do artista”, finaliza Leonardo.

Confira mais posts do Start